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+ Literatura
Em crise com Deus
Em "Jó", o austríaco Joseph Roth faz uma releitura contemporânea da história bíblica
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ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em "Jó - Romance de
um Homem Simples"
(Companhia das Letras, tradução de Laura Barreto, 200 págs.,
R$ 44), o escritor austríaco Joseph Roth traz para o começo
do século 20 a conhecida história bíblica. Na transposição,
Mendel Singer, o protagonista,
é professor de religião para
crianças. Como diz o narrador,
"piedoso, temente a Deus e em
nada extraordinário, era um judeu comum".
Pai de dois filhos e de uma filha, marido de Débora, que estava grávida, tinha a "consciência limpa": "Não precisava arrepender-se de nada, e nada
havia que tivesse cobiçado".
É o nascimento da quarta
criança, Menuhim, a marca inicial das provações de Mendel
Singer. O menino adoece e não
pode ser levado para um hospital russo porque o pai não aceita que receba tratamento gentio, sem os cuidados religiosos
necessários.
Intervenção divina
A desgraça do personagem
começa no instante em que troca a possibilidade de interferência humana pela esperança
de intervenção divina: "Nenhum doutor poderá curá-lo,
se não for essa a vontade de
Deus".
A seqüência de eventos ruins
põe à prova a credulidade do
professor: os filhos são convocados para o Exército do czar,
um consegue fugir, o outro se
alista, o que, na prática, significaria uma chance imensa de
que o pai não voltasse a ver nenhum dos dois nunca mais;
Menuhim fica cada vez mais
doente; a relação com Débora,
antes fonte de tranqüilidade e
prazer ("amava a mulher e deleitava-se em sua carne"), se
deteriora; por fim, Miriam, a
linda filha, se envolve sexualmente com cossacos.
No desenrolar da narrativa,
tudo piora, mesmo que boas
perspectivas surjam às vezes,
até o momento em que Singer,
já nos EUA, para onde havia fugido para livrar a filha do novo
círculo de amizades, perde a fé
e rejeita o Deus que sempre
acatara. Uma reviravolta bastante forçada modifica ainda
uma vez a sua visão de mundo
antes do término do texto.
Mito e realidade
A ironia aqui reside no fato
de que não há sofrimento de
proporções descomunais na vida desse Jó reinventado: suas
agruras não são tão diferentes
assim daquelas que tantos enfrentaram no período histórico
em que o enredo se desenrola.
Como diria Alberto Caeiro/
Fernando Pessoa, em um poema (o oitavo de "O Guardador
de Rebanhos") em que, ao contrário do que sugere a postura
do protagonista deste romance
em seus momentos finais, a redenção passa muito longe de
qualquer salvação pelo além,
"os seres existem e mais nada,/
e por isso se chamam seres".
ADRIANO SCHWARTZ leciona literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
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