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Ponto de Fuga
Na beira do rio
Arte contempo-rânea não é para ser amada;
não é para
o coração,
mas para a inteligência; ora, uma visita
à 6ª Bienal
do Mercosul revira esses hábitos austeros
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Você gosta de arte contemporânea? Esse verbo soa meio esdrúxulo:
não se "gosta" de arte contemporânea. Enfim, não como se
gosta de um Rafael [1483-1520]
ou de um Velázquez [1599-1660]. Ou de um Pollock [1912-56]. A arte contemporânea solicita exercícios intelectuais.
Reflexão crítica, como dizem,
acreditando que essa palavra
seja uma bóia de salvação contra o oceano das ingenuidades.
Arte contemporânea não é
para ser amada; não é para o
coração, mas para a inteligência. Ora, uma visita à 6ª Bienal
do Mercosul, em Porto Alegre
[até 18/11], revira esses hábitos
austeros.
Ela traz para as margens do
Guaíba um ar de beleza. Belo,
beleza: como a sensação de
gostar, é uma expressão que o
intelectualismo artístico de
vanguarda costuma repudiar.
Mas, justamente por estar excluído das convenções bem-pensantes, o princípio da beleza contém forças subversivas.
O curador-geral, Gabriel Pérez-Barreiro, não pertence ao
meio brasileiro. Há ótimos curadores no Brasil, está claro: a
própria bienal do Mercosul teve grandes edições precedentes. Mas eles são poucos.
Revezam-se nas mostras importantes. Isso significa forçosa repetição de enfoques, inevitáveis déjà vus.
Pérez-Barreiro, espanhol de
origem, com formação européia e norte-americana, responsável pelo setor latino-americano no museu de Austin, Texas, renovou expectativas que, no Brasil, tendem para
o costumeiro.
Soft
Uma sábia decisão da 6ª Bienal do Mercosul reduziu o número dos artistas expostos. É
difícil dar sentido para uma
pletora de obras. Mesmo reunidas sob algum conceito esperto, viram quase sempre um
acúmulo sem grande coerência.
A Bienal do Mercosul restringiu-se a 67 artistas. Permanece
substancial e reforça a clareza.
O espectador, num dia, termina
a visita captando bem seus
múltiplos sentidos.
Sutil
A Bienal do Mercosul criou
uma subdivisão: conversas.
Não se trata de uma idéia abstrata, de um conceito. É um
método simples: o curador convida um artista, que deve trazer
uma obra sua. Esse artista, por
sua vez, elege obras de dois outros criadores que mostrem afinidades com a dele. A curadoria
define uma quarta, que possa
intervir no sentido do conjunto. A primeira obra é forçosamente latino-americana; as outras são livremente escolhidas
no mundo inteiro.
O procedimento dilui a autoridade (para não dizer o autoritarismo) da curadoria, ao mesmo tempo que reforça relações.
A tal ponto que, às vezes, o conjunto forma uma unidade intensa. Está claro, evita-se também o provincianismo, as fronteiras nacionais ou mesmo continentais.
O artista uruguaio Fernando
López Lage escolheu o filme de
Terrence Malick "Além da Linha Vermelha". Não é muito
freqüente encontrar nas bienais de arte contemporânea,
sempre preconceituosas e cabeça, a presença de filmes destinados ao grande público,
mesmo que sejam admiráveis.
Letra e música
A arte de Jorge Macchi já foi
exposta no Brasil pelo menos
duas vezes: no Museu de Arte
Contemporânea de São Paulo e
na última bienal paulista. Em
Porto Alegre ganhou realce,
instalada no prédio, antigo e solene, do Santander Cultural.
Sua prodigiosa fascinação pela
concretude da palavra, da música, dos vazios inventa um lirismo imaterial.
Waltercio Caldas, Nelson
Leirner, o "Marulho", de Cildo
Meirelles, o "Never Ending
Continuity Error" [Erro de
Continuidade Sem Fim], de
Beth Campbell, são formidáveis, mas qualquer enumeração
não completa fica injusta. É
melhor, é imperativo, ir a Porto
Alegre antes que a Bienal acabe.
jorgecoli@uol.com.br
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