São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Ponto de Fuga

Na beira do rio

Arte contempo-rânea não é para ser amada; não é para o coração, mas para a inteligência; ora, uma visita à 6ª Bienal do Mercosul revira esses hábitos austeros

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Você gosta de arte contemporânea? Esse verbo soa meio esdrúxulo: não se "gosta" de arte contemporânea. Enfim, não como se gosta de um Rafael [1483-1520] ou de um Velázquez [1599-1660]. Ou de um Pollock [1912-56]. A arte contemporânea solicita exercícios intelectuais.
Reflexão crítica, como dizem, acreditando que essa palavra seja uma bóia de salvação contra o oceano das ingenuidades.
Arte contemporânea não é para ser amada; não é para o coração, mas para a inteligência. Ora, uma visita à 6ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre [até 18/11], revira esses hábitos austeros.
Ela traz para as margens do Guaíba um ar de beleza. Belo, beleza: como a sensação de gostar, é uma expressão que o intelectualismo artístico de vanguarda costuma repudiar. Mas, justamente por estar excluído das convenções bem-pensantes, o princípio da beleza contém forças subversivas.
O curador-geral, Gabriel Pérez-Barreiro, não pertence ao meio brasileiro. Há ótimos curadores no Brasil, está claro: a própria bienal do Mercosul teve grandes edições precedentes. Mas eles são poucos. Revezam-se nas mostras importantes. Isso significa forçosa repetição de enfoques, inevitáveis déjà vus. Pérez-Barreiro, espanhol de origem, com formação européia e norte-americana, responsável pelo setor latino-americano no museu de Austin, Texas, renovou expectativas que, no Brasil, tendem para o costumeiro.

Soft
Uma sábia decisão da 6ª Bienal do Mercosul reduziu o número dos artistas expostos. É difícil dar sentido para uma pletora de obras. Mesmo reunidas sob algum conceito esperto, viram quase sempre um acúmulo sem grande coerência.
A Bienal do Mercosul restringiu-se a 67 artistas. Permanece substancial e reforça a clareza.
O espectador, num dia, termina a visita captando bem seus múltiplos sentidos.

Sutil
A Bienal do Mercosul criou uma subdivisão: conversas.
Não se trata de uma idéia abstrata, de um conceito. É um método simples: o curador convida um artista, que deve trazer uma obra sua. Esse artista, por sua vez, elege obras de dois outros criadores que mostrem afinidades com a dele. A curadoria define uma quarta, que possa intervir no sentido do conjunto. A primeira obra é forçosamente latino-americana; as outras são livremente escolhidas no mundo inteiro.
O procedimento dilui a autoridade (para não dizer o autoritarismo) da curadoria, ao mesmo tempo que reforça relações.
A tal ponto que, às vezes, o conjunto forma uma unidade intensa. Está claro, evita-se também o provincianismo, as fronteiras nacionais ou mesmo continentais.
O artista uruguaio Fernando López Lage escolheu o filme de Terrence Malick "Além da Linha Vermelha". Não é muito freqüente encontrar nas bienais de arte contemporânea, sempre preconceituosas e cabeça, a presença de filmes destinados ao grande público, mesmo que sejam admiráveis.

Letra e música
A arte de Jorge Macchi já foi exposta no Brasil pelo menos duas vezes: no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e na última bienal paulista. Em Porto Alegre ganhou realce, instalada no prédio, antigo e solene, do Santander Cultural.
Sua prodigiosa fascinação pela concretude da palavra, da música, dos vazios inventa um lirismo imaterial.
Waltercio Caldas, Nelson Leirner, o "Marulho", de Cildo Meirelles, o "Never Ending Continuity Error" [Erro de Continuidade Sem Fim], de Beth Campbell, são formidáveis, mas qualquer enumeração não completa fica injusta. É melhor, é imperativo, ir a Porto Alegre antes que a Bienal acabe.


jorgecoli@uol.com.br

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