São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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+ cultura

Quando Paris era uma festa

Em tom pessoal, "Memórias", de Philippe Sollers, repassa a vida literária da França desde os anos 1960

ROBERT SOLÉ

Ele ainda escuta os grevistas da Frente Popular que vinham gritar sob as janelas de sua casa, nas proximidades de Bordeaux: "Joyaux ao pelourinho!" A família de Philippe Joyaux, aliás Sollers, possuía então uma fábrica de utensílios domésticos. Ele acabara de nascer. Mais tarde, na classe ou no recreio, o escolar frágil, muitas vezes adoentado, sofreria todas as piadas idiotas que "Joyaux" pode sugerir [significa "jóias", "preciosidades"].
O pseudônimo que ele inventa é inspirado no latim "sollus" e "ars" (industrioso, hábil, destro). Em suma, Sollers. O qual, 70 anos após seu nascimento, não pára de ouvir os gritos dos invejosos ou dos imbecis. Sollers ao pelourinho!
A leitura, descoberta aos 5 anos, foi para ele um maravilhamento. O mundo subitamente lhe pertencia. Incentivado pela família, o jovem Philippe Joyaux tenta sem empenho preparar-se para o concurso da Escola Superior de Ciências Econômicas e Comerciais.
Não demora a voltar para os jesuítas, em Sainte-Geneviève, onde bifurca para a literatura.
Um primeiro romance, "Uma Curiosa Solidão", publicado pela editora Seuil, o coloca imediatamente sob os refletores. Tem 21 anos, em dezembro de 1957, quando François Mauriac lhe dedica sua coluna no "L'Express". Onze meses depois, Aragon o elogia em "Les Lettres Françaises". Ei-lo revestido do "temível apadrinhamento da Igreja e do Partido".
Com outros jovens autores menos conhecidos que ele, Sollers funda a revista "Tel Quel", que se tornará "L'Infini" em 1982, quando rompe com "a antiga editora", Seuil -cujo nome jamais cita-, para se instalar na Gallimard.
Sob a proteção de Barthes e Lacan, o objetivo dessa revista de vanguarda é interrogar a filosofia, a arte, a ciência e a política a partir da literatura.

Suicídio
Sollers afirma que foi tentado duas vezes pelo suicídio, aos 20 e aos 30 anos. E nas duas vezes foi salvo por uma mulher excepcional. Foi primeiramente sua paixão inextinguível por Dominique Rolin, romancista de origem belga, mais velha que ele, "uma das mulheres mais belas que jamais existiram".
Depois, sua paixão duradoura por uma jovem universitária búlgara, Julia Kristeva, com quem se casou, "a mulher mais inteligente que já conheci".
Teríamos gostado de ficar nesses belos retratos femininos, mas Sollers sente-se obrigado a lembrar as "prostitutas fabulosas" que freqüentou, antes de nos tranqüilizar, com uma fanfarronice de colegial, sobre sua competência sexual: "Depois de 40 anos de aventuras diversas, pode-se constatar uma espécie de saber absoluto sobre essas coisas".
Ele é muito mais convincente quando evoca sua paixão ilimitada pela leitura e a escrita. Ele diz que tem "duas bússolas: o sexo e o fraseado". Mas a frase mais instrutiva dessas "Memórias" está na página 119.
Sollers fala com Sollers: "Em suma, você sempre misturou mais ou menos o transcendental, a mística, a poesia, o pensamento, o amor, o erotismo, a ironia, a Revolução? Sim, e é justamente isso a Revolução".
A propósito de revolução, é melhor esquecer o envolvimento maoísta que teve durante três anos. Foi uma máscara. Compreendamos bem: ele pregava a revolução cultural, não por adesão a essa "loucura", mas para combater a França mofada... Que parem, portanto, de importuná-lo com isso: "Nenhum remorso, nenhuma culpa, nenhum crime, loucura passageira, paixão pela China mal controlada".


A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


ONDE ENCOMENDAR - "Un Vrai Roman - Mémoires" (Um Verdadeiro Romance - Memórias, ed. Plon, 360 págs., 21, R$ 54), de Philippe Sollers, pode ser encomendado no site www.alapage.com


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