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+ cultura
Quando Paris era uma festa
Em tom pessoal, "Memórias", de Philippe Sollers, repassa a vida literária da França desde
os anos 1960
ROBERT SOLÉ
Ele ainda escuta os grevistas da Frente Popular que vinham gritar
sob as janelas de sua
casa, nas proximidades de Bordeaux: "Joyaux ao
pelourinho!" A família de Philippe Joyaux, aliás Sollers, possuía então uma fábrica de utensílios domésticos. Ele acabara
de nascer. Mais tarde, na classe
ou no recreio, o escolar frágil,
muitas vezes adoentado, sofreria todas as piadas idiotas que
"Joyaux" pode sugerir [significa "jóias", "preciosidades"].
O pseudônimo que ele inventa é inspirado no latim "sollus"
e "ars" (industrioso, hábil, destro). Em suma, Sollers. O qual,
70 anos após seu nascimento,
não pára de ouvir os gritos dos
invejosos ou dos imbecis. Sollers ao pelourinho!
A leitura, descoberta aos 5
anos, foi para ele um maravilhamento. O mundo subitamente lhe pertencia. Incentivado pela família, o jovem Philippe Joyaux tenta sem empenho preparar-se para o concurso da Escola Superior de Ciências Econômicas e Comerciais.
Não demora a voltar para os
jesuítas, em Sainte-Geneviève,
onde bifurca para a literatura.
Um primeiro romance, "Uma
Curiosa Solidão", publicado
pela editora Seuil, o coloca
imediatamente sob os refletores. Tem 21 anos, em dezembro
de 1957, quando François Mauriac lhe dedica sua coluna no
"L'Express". Onze meses depois, Aragon o elogia em "Les
Lettres Françaises". Ei-lo revestido do "temível apadrinhamento da Igreja e do Partido".
Com outros jovens autores
menos conhecidos que ele, Sollers funda a revista "Tel Quel",
que se tornará "L'Infini" em
1982, quando rompe com "a
antiga editora", Seuil -cujo
nome jamais cita-, para se instalar na Gallimard.
Sob a proteção de Barthes e
Lacan, o objetivo dessa revista
de vanguarda é interrogar a filosofia, a arte, a ciência e a política a partir da literatura.
Suicídio
Sollers afirma que foi tentado duas vezes pelo suicídio, aos
20 e aos 30 anos. E nas duas vezes foi salvo por uma mulher
excepcional. Foi primeiramente sua paixão inextinguível por
Dominique Rolin, romancista
de origem belga, mais velha que
ele, "uma das mulheres mais
belas que jamais existiram".
Depois, sua paixão duradoura por uma jovem universitária
búlgara, Julia Kristeva, com
quem se casou, "a mulher mais
inteligente que já conheci".
Teríamos gostado de ficar
nesses belos retratos femininos, mas Sollers sente-se obrigado a lembrar as "prostitutas
fabulosas" que freqüentou, antes de nos tranqüilizar, com
uma fanfarronice de colegial,
sobre sua competência sexual:
"Depois de 40 anos de aventuras diversas, pode-se constatar
uma espécie de saber absoluto
sobre essas coisas".
Ele é muito mais convincente quando evoca sua paixão ilimitada pela leitura e a escrita.
Ele diz que tem "duas bússolas: o sexo e o fraseado". Mas a
frase mais instrutiva dessas
"Memórias" está na página 119.
Sollers fala com Sollers: "Em
suma, você sempre misturou
mais ou menos o transcendental, a mística, a poesia, o pensamento, o amor, o erotismo, a
ironia, a Revolução? Sim, e é
justamente isso a Revolução".
A propósito de revolução, é
melhor esquecer o envolvimento maoísta que teve durante três anos. Foi uma máscara.
Compreendamos bem: ele
pregava a revolução cultural,
não por adesão a essa "loucura", mas para combater a França mofada... Que parem, portanto, de importuná-lo com isso: "Nenhum remorso, nenhuma culpa, nenhum crime, loucura passageira, paixão pela
China mal controlada".
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
ONDE ENCOMENDAR - "Un Vrai Roman - Mémoires" (Um Verdadeiro
Romance - Memórias, ed. Plon, 360
págs., 21, R$ 54), de Philippe Sollers, pode ser encomendado no site www.alapage.com
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