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+ debate
"É impossível ser neutro"
Autor, em 1979, de uma polêmica história da Guerra do Paraguai, Júlio Chiavenato comenta a recente discussão sobre a ideologização dos livros didáticos
DA REDAÇÃO
Um debate em torno
da ideologização
do ensino da história tem provocado
polêmica, com denúncias de livros didáticos que
fariam propaganda do governo
federal e do regime comunista.
Se, por um lado, esses livros,
encomendados pelo Programa
Nacional do Livro Didático
(PNLD), continham exemplos
extremos de parcialidade, como chamar o chinês Mao Tse-tung de "grande estadista", por
outro a disputa entre versões
da história é uma constante.
Para comentar o caso, o
Mais! foi ouvir alguém acostumado a essas disputas: Júlio José Chiavenato.
Chiavenato enfrentou um
dos exemplos mais pungentes
da tese de que a história é escrita pelos vencedores, a história
da Guerra do Paraguai como
descrita pelos militares, durante a ditadura militar.
Em 1979, lançou "Genocídio
Americano - A Guerra do Paraguai" (ed. Brasiliense), questionando a história oficial do conflito. E, com o passar do tempo,
o contestador se tornou contestado.
Em vez de enaltecer o "heroísmo" das potências regionais que venceram o regime de Solano López, Chiavenato enfatizou a obediência de Brasil e
Argentina à política externa
britânica -para a qual o Paraguai pecaria justamente por
tentar escapar à sua influência.
Depois de gozar do prestígio
de revisar a história contada
pelos militares, Chiavenato viu,
na década de 90, Francisco Doratioto, hoje professor de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília,
apresentar uma nova versão,
com outras explicações para o
conflito: "Maldita Guerra"
(Companhia das Letras, 2002).
Na entrevista abaixo, o jornalista autodidata -diz que não
quis fazer curso superior- afirma que as duas versões têm
abordagens diferentes, mas
não aceita a minimização da influência britânica. Também diz
que "é impossível ser neutro".
Para Chiavenato, 68, o problema dos livros didáticos
atuais não é a ideologia -ela
sempre está presente-, mas
sua própria existência: "O ideal
seria não haver livro didático,
mas, sim, o professor ser qualificado".
(ERNANE GUIMARÃES NETO)
FOLHA - Como vê a atual revisão da
Guerra do Paraguai?
JÚLIO JOSÉ CHIAVENATO - A cada
vez que se escreve um livro de
história, os fatos são analisados
com os olhos do presente.
Quando escrevi meu livro, o
país era pressionado pela ditadura militar, o que influenciou
sua escrita e a leitura das outras
pessoas. O assunto era um tabu
na história do país.
FOLHA - Seu texto operou uma
"desmistificação"?
CHIAVENATO - Foi de encontro a
tudo isso, por vários motivos.
Primeiro, desmascarava a versão de que fomos os heróis
-como se na guerra pudesse
haver heróis. Depois, pela reação exacerbada dos militares.
FOLHA - Em que mudou seu discurso nesses anos?
CHIAVENATO - Nada, o que mudou foi o entendimento das
pessoas.
FOLHA - Que diz de pesquisadores
que amenizam a influência da Inglaterra, como Doratioto?
CHIAVENATO - Não se pode ignorar que, quando começou a
guerra, o Brasil começou a tomar empréstimos cada vez
maiores da Inglaterra. A dívida
externa do Brasil cresceu e os
empréstimos foram quase exclusivamente para a guerra.
É evidente que na relação
com a Inglaterra havia várias
contradições -como há na relação com os EUA hoje.
FOLHA - O que o aluno aprende sobre a Guerra do Paraguai hoje está
mais próximo da "realidade"?
CHIAVENATO - Depende do professor. De 1920 a 1979, não houve nenhum livro "novo" sobre a
Guerra do Paraguai. Desde então surgiram dois livros de certa importância: o de Doratioto
e o meu. É o maior conflito da
América do Sul, no entanto só
há esses livros -há teses.
Esses dois livros estão próximos da realidade, dão condições de o professor ensinar.
Mas, infelizmente, hoje está tudo ideologizado.
FOLHA - Há uma falsa aparência de
neutralidade?
CHIAVENATO - É impossível ser
neutro. Já imaginou escrever
um livro sobre o Holocausto e
ser neutro? Foram 6 milhões
de mortos, é preciso ser contra.
FOLHA - E a ideologia em "Projeto
Araribá", livro didático que usou
textos de divulgação do programa
Fome Zero, ou em "Nova História
Crítica", considerado extremamente parcial contra o capitalismo e pró-comunismo?
CHIAVENATO - Não tem nada de
mais ser a favor ou contra o socialismo ou o comunismo. Mas
há formas de dizer com responsabilidade e sabendo a quem dizer. Tem gente que quer convencer; já o professor deve ajudar o aluno a tirar suas próprias
conclusões.
FOLHA - Pelo que viu desses livros,
parecia exagerada a apresentação
dos conceitos?
CHIAVENATO - Os autores se defenderam dizendo que as citações apareciam fora de contexto. Para mim era a coisa certa
dita de forma errada.
FOLHA - Qual sua opinião sobre os
livros didáticos de história no Brasil?
CHIAVENATO - Em primeiro lugar, acho que não deveria existir livro didático. Acaba sendo
ideológico, pois o maior consumidor de livros didáticos no
Brasil é o governo. Ele já é feito
pensando-se no currículo escolar, já há ideologia.
FOLHA - Está no PNLD?
CHIAVENATO - De jeito nenhum.
FOLHA - O sr. tem nível superior?
CHIAVENATO - Não, sou autodidata. Não quis perder tempo
com faculdade, vi a porcaria
que era.
FOLHA - Como autor de livros de
história, que acha da norma do
PNLD que estabelece como requisito
para participação a comprovação de
nível superior do autor?
CHIAVENATO - Do ponto de vista
deles, estão corretíssimos: pegam, teoricamente, as pessoas
mais qualificadas. Mas o resultado é esse que você está vendo.
Leia a íntegra desta entrevista
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