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LIVROS
"A Revolução dos Tipos" traz uma antologia histórica dos alfabetos
Mutações da escrita
VICENZO SCARPELLINI
Secretário-assistente de Redação
Para quem se publica um livro
sobre tipografia? Para o leitor comum, para os designers, para os
clientes? Essas perguntas surgem
com o lançamento de "A Revolução dos Tipos", do arquiteto e designer Vicente Gil. Trata-se de
uma obra muito bem acabada e
impressa, que se apresenta como
"transformação de um caderno
de anotações de um artista", apesar de ser suntuoso e grande -incutindo mais respeito do que curiosidade desinteressada.
O livro abre com uma antologia
histórica de alfabetos tipográficos
(intercalada por citações de designers, entendidos ou críticos do assunto) e fecha com uma história
da escrita até a Bauhaus. No meio,
estão os produtos gráficos do autor. Início e fim têm o mérito de
reunir, em língua portuguesa, textos não-traduzidos ou dispersos
em obras diferentes. Isso mantém
a promessa do título e seria a parte destinada ao leitor comum,
aquele que, por interesse pessoal
ou obrigação profissional, quer
aprofundar o conhecimento da
matéria.
Dito isso, provoca uma certa
frustração que uma tese de doutorado sobre design gráfico não
aborde um problema específico
ou, então, não enfrente um tema
mais ligado à cultura do país. Sem
espírito nacionalista, mas só porque o desafio é interessante: seria
possível uma "tropicália tipográfica", hoje que o computador muda o desenho e a composição das
letras como a guitarra elétrica
mudou o timbre e a composição
das notas?
Por exemplo, o Brasil teve sua
primeira oficina tipográfica, no
Rio de Janeiro, só em 1808, mas
possui um patrimônio de manuscritos com o qual alguém, em benefício da tipografia, deveria se
confrontar: existe uma maneira
de conciliar barroco e (pós) moderno? Outra mina seria a escrita
manual e espontânea, aquela que
se encontra em feiras e circos, nas
placas dos banquinhos de rua ou
nos pneus dos borracheiros.
Quando Neville Brody (designer
inglês muito citado no livro) deu
um passeio pelo centro de São
Paulo, ficou maravilhado com isso. Já existem registros fotográficos, mas falta um aprofundamento teórico, sobretudo com enfoque no design.
Leitores e designers
Em "A Revolução dos Tipos",
texto e imagens são programaticamente diagramados com o objetivo de fazer o leitor pensar, sem
passividade ou fáceis acomodações. Vale a pena, aqui, expressar
duas dúvidas em relação à exuberante linguagem tipográfica do livro. Não se discute a competência
do autor, nem se deseja entrar,
por falta de distância crítica, na
polêmica sobre a legitimidade do
estilo escolhido, isto é, se é melhor
secundar ou combater as passagens da moda e do gosto.
A primeira dúvida é: pela natureza do assunto, o livro não possui
valor documentário que entra em
conflito com seu valor estético? A
leitura, sabemos, não é instinto
natural, pede um método que necessita ser aprendido e acompanhado de muito interesse. Certamente, quem se aproxima de um
livro sobre tipografia tem cultura
e motivação. Mas estamos seguros de que o leitor, que já enfrenta
no dia-a-dia uma massa impiedosa de informações a serem selecionadas, entendidas e digeridas,
tenha realmente vontade de se
conscientizar -enquanto aprende sobre alfabetos e escrita- em
relação à natureza da comunicação visual?
E será que a estrutura revelada e
as amostras de possibilidades do
computador realmente são suficientes para fazê-lo entender a comunicação? Por exemplo, quantas pessoas dirigem carros sem ter
a menor vontade de saber como
funciona o motor? Se o carro fosse
transparente e o motor estivesse à
vista (talvez isso não demore, se se
levar em conta as caixas de relógio
e de computadores), seria automático o conhecimento da mecânica? E aqui está a segunda, pérfida dúvida: não será então que a
linguagem visual do livro está
mais dirigida aos colegas designers que aos leitores?
Há também uma curiosa contradição no texto inicial, no qual
comparece a seguinte afirmação:
"Se a escrita é a cópia da língua falada, a tipografia é o modo de representação". Substancialmente
se assume que a escrita seja algo
que tem mais a ver com a oralidade do que com o universo dos signos gráficos.
Justamente contra esse conceito
se lançou Derrida, indicando incongruências na teoria de Saussure e criando as bases para a gráfica
pós-estruturalista ou desconstrucionista, à qual o design do livro é
devedor. Este segundo termo chegou ao grande público com a
mostra "Deconstrutivist Architecture", no MoMA de Nova
York, em 1988, como é contado
no belo ensaio "Deconstruction
and Graphic Design", em "Design, Writing Research", de Ellen
Lupton e J. Abbot Miller, um dos
livros presentes na bibliografia.
Não vamos incomodar Derrida.
Reflita-se, porém, sobre a presença na escrita de letras itálicas,
maiúsculas e minúsculas, que não
têm correspondência na língua
falada; assim como não existem
recuos de parágrafo, asteriscos,
números exponenciais. Os números, aliás, são ideográficos e não
fonéticos, porque não traduzem
somente um som, como faz uma
letra. As aspas também não existem na fala e, quando as assinalamos com os dedos, a rigor isso seria a língua falada que copia a escrita. Há até quem tenha chegado
a sugerir que veículo primário da
comunicação seja -e tenha sempre sido- a escrita.
A escrita não está subordinada à
fala, mas é paralela a ela. Esse é o
fundamento teórico da linguagem gráfica apresentada no livro;
como o é da poesia visual, que indaga a língua na sua materialidade. E, por sinal, foi o que gerou em
muitos designers a idéia romântica de auto-expressão formal.
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O miolo apresenta projetos do
autor, e isso não é raro em livros
de design. Paul Rand tinha 32
anos, mas era já um designer influente nos EUA, quando escreveu "Thoughts on Design" (1946),
no qual utilizou o próprio trabalho como exemplo para lançar
um manifesto da gráfica modernista americana. Em "A Revolução dos Tipos", o trabalho do autor, oferecido com virtuosa pirotecnia tipográfica, não está analisado e não tem nenhuma relação
explícita com os outros textos.
Ainda assim, nada de mal nisso.
Mas por que, então, dar ao livro
esse título? Não seria melhor usar
a palavra "port-folio" em algum
lugar? Sem isso, os trabalhos se inserem entre um texto e outro quase como anúncios publicitários.
A OBRA
A Revolução dos Tipos - Vicente Gil. FAU-USP/Associação
dos Designers Gráficos (r. Cônego
Eugênio Leite, 920, SP, CEP 05414-001, tel. 0/xx/11/ 280-1322). 278
págs. R$ 70,00.
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