São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

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12 MESES & 6 DESTINOS

EUA estão em busca de sócios


A tendência das elites americanas é considerar a nação mais poderosa do mundo em declínio

GILBERTO DUPAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A hegemonia norte-americana está em declínio? Os grandes desafios da regulação financeira, do clima, do tráfico de drogas e do terrorismo são de natureza global e exigem a construção de amplos consensos e parcerias.
No entanto esses caminhos estão severamente limitados pela perda de capacidade regulatória da grande potência mundial e das instituições internacionais.
A crise atual tem muito a ver com o mundo vivendo acima dos seus meios. A era da abundância em recursos naturais já havia terminado. Mais alguns passos errados e a degradação ecológica será irreversível.
Como conseguir uma mudança radical no modelo de produção, com a redução do consumismo desenfreado e do sucateamento, se os grandes atores econômicos têm total liberdade de definir seus vetores tecnológicos?
Alguém acredita que o próprio mercado se auto-regulará? O colapso do sistema financeiro pode gerar uma nova era de controle do lado perverso do capitalismo global?
A questão é que ele odeia regulações, maximiza seus lucros operando nas faixas cinzentas e adora socializar prejuízos.
De fato, o mundo não pode prescindir das virtudes hegemônicas de sua maior potência. A maior delas é favorecer a governabilidade internacional mediando crises e confrontos e possibilitando gestos simbólicos em direção às nações mais precárias -o oposto do que George W. Bush fez. Se os EUA não assumirem um papel sólido e confiável de referência sistêmica da força e da lei, condizente com o seu próprio poder, teremos grandes probabilidades de um século marcado por dores e retrocesso.
Tolerância é um atributo essencial ao exercício da soberania. Na doutrina Bush, tolerância era a permissão para "continuar vivendo desde que se obedeçam nossas regras". Mas o exercício da paz exige a aceitação da alteridade, incluindo as minorias e os diferentes. As necessárias alterações de estruturas e equilíbrios de poder irão exigir muito de Obama, tido como analista frio e construtor de consensos.

Ascensão e queda
A tendência das elites americanas é considerar a mais poderosa nação do mundo em declínio. General Brent Scowcroft [assessor de segurança dos presidentes Gerald Ford e George Herbert Walker Bush, pai do atual presidente dos EUA]: "O exercício do nosso poder nos revelou que ele é efêmero".
Fareed Zakaria [analista de política internacional]: "Os anos Bush foram o apogeu do poder americano". E Richard Haass [presidente do Conselho de Relações Exteriores, nos EUA] : "O momento unipolar dos EUA se foi."
No entanto, gostemos ou não, teremos que continuar vivendo com a hegemonia norte-americana. Salvo crise político-social de grandes proporções na China, a estagnação dos próximos anos trará definitivamente uma mudança de patamar no seu poder. Mas nada para ameaçar a posição dos EUA.
Com a China crescendo a 6%, Europa e Japão estagnados e americanos a passo de cágado, em cinco anos os chineses terão um PIB de quase US$ 5 trilhões, ultrapassando largamente a França, a Inglaterra e a Alemanha e igualando-se ao Japão, transformando-se na segunda maior economia do mundo.
Só que os EUA estarão com US$ 15 trilhões, três vezes mais do que a China!
Do "voamos mais alto e sabemos o que é melhor para o mundo", de Madeleine Albright [secretária de Estado na era Clinton], ao "quem não está conosco, está contra nós", do fundamentalista Donald Rumsfeld [secretário de Estado nos tempos de George W. Bush], houve uma escalada imensa da hegemonia em direção a uma quase tirania.
O que agora o mundo espera como frase emblemática de Hillary Clinton é "Os EUA precisam de sócios". Precisamos cobrar daquele país o exercício de uma hegemonia que leve a consensos multipolares, aliviando tensões mundiais e gerando condições de governabilidade sistêmicas.
Assim Obama poderá ter boa parte do mundo como sócia.


GILBERTO DUPAS é coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP e autor de "O Mito do Progresso" (ed. Unesp).


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