São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

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Lançando mão das técnicas de construção, de ciências sociais e economia, "Arquitetura Popular Brasileira" registra a evolução das moradias no país

A casa das massas

CARLOS A.C. LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Esta obra do professor Günter Weimer, "Arquitetura Popular Brasileira", é um livro que estava faltando na bibliografia alusiva aos modos de morar do povo brasileiro -não porque ninguém tivesse tido essa idéia, mas devido ao gigantismo da empreitada. Sendo o tema interdisciplinar, envolvendo também questões relativas ao clima, à prática social, à antropologia, passando pela economia e, igualmente, pela seleção dos recursos do ambiente, compreendemos as dificuldades que há de percorrer o estudioso do assunto.
Sabemos que o Brasil nunca passou de um arquipélago de ilhas culturais quase desprovidas de comunicação sistemática entre si, marcado por climas diversificados, recursos naturais variados e heterogeneidade étnica.
Quanto às técnicas construtivas, a mão-de-obra presente em qualquer dessas ilhas sempre foi improvisada, adaptada e até reinventada, tendo-se em vista, primordialmente, os programas de necessidades dos grupos familiares e o clima.
Assim, devemos refletir sobre a questão das estruturas das construções porque elas, volta e meia, coincidentemente se assemelham sem que tenha havido influências deste ou daquele grupo étnico. Tais coincidências formais podem levar a pensar em influências, em empréstimos de saberes. Foi o que aconteceu com Weimer, que, às vezes, ignorou a simultaneidade de soluções pelo mundo afora.

Influências improváveis
O autor faz classificação inédita dos tipos de moradias, exemplificando habitações em "tocas", moradas da caatinga, dos areais, dos coqueirais, dos mangues, dos pântanos, das florestas, casas flutuantes, nos campos e nas favelas urbanas.
Trata, também, das contribuições ibéricas, indígenas, negras e das imigrações européias não-ibéricas. São rigorosas e dignas de elogio as partes deste dedicadas aos alemães, italianos, poloneses e russos. Suas arquiteturas levantadas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná realmente estão bem expostas por meio de análises bastante corretas.
Tudo seria muito louvável se todo o vasto relato não fosse permeado de sugestões ou de afirmações categóricas sobre influências improváveis. Não ocorreu a Weimer o natural acontecimento das aludidas coincidências. Percebe-se que ele tem uma obsessão pela influência negra aqui ou acolá e acaba exorbitando muitas vezes, ao fazer afirmações nesse sentido em relação a construções em locais onde o escravo africano chegou muito tarde para deixar a sua marca, como em São Paulo.
Quanto às técnicas construtivas, há omissões e confusões. Foi esquecida, por exemplo, a pedra entaipada do litoral em moradias das praias de Santa Catarina até o norte do Espírito Santo. Foi a única técnica usada nessa orla marítima. Quanto à taipa de mão, faltou fazer a distinção entre aquela anterior e a posterior ao terremoto de Lisboa.
E, na verdade, o termo "gaiola" nem deveria ser usado no livro, porque foi empregado em Portugal para designar as estruturas autônomas de madeira faceando internamente as paredes de pedra ou de tijolos, com a função de apoiar os assoalhos dos pavimentos elevados e os frechais das coberturas, possibilitando, assim, que em outros terremotos as paredes ruíssem descompromissadamente dos pisos, que, em 1755, foram de roldão com as alvenarias desfeitas.
A idéia de escrever uma obra abarcando toda a nossa arquitetura residencial popular é simpática e benquista. É, todavia, um livro que deve ser lido com cautela quanto às aludidas coincidências e a certas afirmações relativas à prática social.


Carlos A.C. Lemos é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autor de "História da Casa Brasileira" (ed. Contexto), entre outros livros.

Arquitetura Popular Brasileira
384 págs., R$ 47,50
de Günter Weimer. Ed. Martins Fontes (r. Conselheiro Ramalho, 330, CEP 01325-000, São Paulo, SP, tel. 0/xx/11/3241-3677).



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