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Lançando mão das técnicas de construção, de ciências sociais e economia,
"Arquitetura Popular Brasileira" registra a evolução das moradias no país
A casa das massas
CARLOS A.C. LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Esta obra do professor Günter
Weimer, "Arquitetura Popular Brasileira", é um livro que
estava faltando na bibliografia
alusiva aos modos de morar do povo
brasileiro -não porque ninguém tivesse tido essa idéia, mas devido ao
gigantismo da empreitada. Sendo o
tema interdisciplinar, envolvendo
também questões relativas ao clima,
à prática social, à antropologia, passando pela economia e, igualmente,
pela seleção dos recursos do ambiente, compreendemos as dificuldades que há de percorrer o estudioso do assunto.
Sabemos que o Brasil nunca passou de um arquipélago de ilhas culturais quase desprovidas de comunicação sistemática entre si, marcado por climas diversificados, recursos naturais variados e heterogeneidade étnica.
Quanto às técnicas construtivas, a
mão-de-obra presente em qualquer
dessas ilhas sempre foi improvisada,
adaptada e até reinventada, tendo-se
em vista, primordialmente, os programas de necessidades dos grupos
familiares e o clima.
Assim, devemos refletir sobre a
questão das estruturas das construções porque elas, volta e meia, coincidentemente se assemelham sem
que tenha havido influências deste
ou daquele grupo étnico. Tais coincidências formais podem levar a
pensar em influências, em empréstimos de saberes. Foi o que aconteceu
com Weimer, que, às vezes, ignorou
a simultaneidade de soluções pelo
mundo afora.
Influências improváveis
O autor faz classificação inédita
dos tipos de moradias, exemplificando habitações em "tocas", moradas da caatinga, dos areais, dos coqueirais, dos mangues, dos pântanos, das florestas, casas flutuantes,
nos campos e nas favelas urbanas.
Trata, também, das contribuições
ibéricas, indígenas, negras e das imigrações européias não-ibéricas. São
rigorosas e dignas de elogio as partes
deste dedicadas aos alemães, italianos, poloneses e russos. Suas arquiteturas levantadas no Rio Grande do
Sul, Santa Catarina e Paraná realmente estão bem expostas por meio
de análises bastante corretas.
Tudo seria muito louvável se todo
o vasto relato não fosse permeado de
sugestões ou de afirmações categóricas sobre influências improváveis.
Não ocorreu a Weimer o natural
acontecimento das aludidas coincidências. Percebe-se que ele tem uma
obsessão pela influência negra aqui
ou acolá e acaba exorbitando muitas
vezes, ao fazer afirmações nesse sentido em relação a construções em locais onde o escravo africano chegou
muito tarde para deixar a sua marca,
como em São Paulo.
Quanto às técnicas construtivas,
há omissões e confusões. Foi esquecida, por exemplo, a pedra entaipada do litoral em moradias das praias
de Santa Catarina até o norte do Espírito Santo. Foi a única técnica usada nessa orla marítima. Quanto à
taipa de mão, faltou fazer a distinção
entre aquela anterior e a posterior ao
terremoto de Lisboa.
E, na verdade, o termo "gaiola"
nem deveria ser usado no livro, porque foi empregado em Portugal para
designar as estruturas autônomas de
madeira faceando internamente as
paredes de pedra ou de tijolos, com a
função de apoiar os assoalhos dos
pavimentos elevados e os frechais
das coberturas, possibilitando, assim, que em outros terremotos as
paredes ruíssem descompromissadamente dos pisos, que, em 1755, foram de roldão com as alvenarias
desfeitas.
A idéia de escrever uma obra abarcando toda a nossa arquitetura residencial popular é simpática e benquista. É, todavia, um livro que deve
ser lido com cautela quanto às aludidas coincidências e a certas afirmações relativas à prática social.
Carlos A.C. Lemos é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autor de "História da Casa Brasileira" (ed. Contexto), entre outros livros.
Arquitetura Popular Brasileira
384 págs., R$ 47,50
de Günter Weimer. Ed. Martins Fontes (r.
Conselheiro Ramalho, 330, CEP 01325-000,
São Paulo, SP, tel. 0/xx/11/3241-3677).
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