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Clichês de luxo
O crítico de arte
e curador
do Masp
Teixeira Coelho
discute
o estatuto
da cultura
na sociedade
atual
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Com fluência intempestiva e luminosa,
os cinco ensaios de
"A Cultura e Seu
Contrário", do crítico Teixeira Coelho, dedicam-se
a desarmar alguns dos mais arraigados clichês do discurso
politicamente correto, quando
se aplicam ao universo da cultura. Por exemplo, o de que a
cultura tem um "papel positivo" a desempenhar na sociedade. "Espera-se", diz o autor,
"que a cultura mantenha o tecido social (...), a cultura combateria a violência no interior da
sociedade e promoveria o desenvolvimento econômico".
Contra esse processo de "domesticação da cultura", Teixeira Coelho insiste em lembrar
que a cultura só faz sentido se
for expressão da negatividade,
do que traz mudança e -até
mesmo- destruição.
Impondo a seus raciocínios
uma sintaxe quase sem fôlego
(que redundou em grande efeito estético em seu livro "História Natural da Ditadura", Iluminuras, 2006), Teixeira Coelho chega a interpretar de modo favorável uma das frases
mais escandalosas do século 21:
a do compositor alemão Karlheinz Stockhausen [1928-2007], que considerou o atentado ao World Trade Center
uma obra de arte insuperável.
Não é preciso forçar tanto a
nota do radicalismo, entretanto, para reconhecer a pertinência das preocupações do autor.
Sua irritação diante dos clichês bem-pensantes, no que
diz respeito à política cultural,
não exclui uma atitude que, no
fundo, é mais sensata e equilibrada do que faz sugerir o passo acelerado, quase furioso, da
argumentação.
Tomem-se, por exemplo,
suas críticas à ideia de "identidade cultural". Nenhuma identidade, afirma Teixeira Coelho,
"é fixa, estável e perene (...). Toda identidade, como toda cultura, foge de si mesma".
O autor refere-se, nesse ponto, às ideias do iluminista francês Montesquieu (1689-1755),
em seu ensaio sobre o conceito
de gosto.
Identidade fixa
"A primeira obrigação de cada um de nós para consigo próprio", explica Teixeira Coelho,
"é a ampliação da esfera de presença de seu ser, o que se consegue mudando de lugar (viajando), mudando as fontes de nossas sensações (ver uma catedral
que não conhecemos, uma pintura que ainda não visitamos,
um autor que ainda não lemos)...".
Bem diferente, com certeza,
da concepção corrente de cultura nacional, em que o importante é "perseverar no ser",
manter uma identidade fixa.
Sem nenhum ufanismo, seria
então o caso de reconhecer na
famosa instabilidade da cultura
brasileira (classicamente qualificada como "fora do lugar" pelo crítico Roberto Schwarz)
uma condição ao mesmo tempo "confortável" e "desconfortável" no cenário globalizado.
Cultura flutuante
A cultura brasileira é "flutuante" -cabendo reconhecer
o que há nisso de cinismo, de
um lado, e de potencial para a
mudança, de outro.
Não se considere, entretanto,
"cultura" como um conceito
autônomo, capaz de ser esmiuçado somente em suas ambiguidades internas.
Numa reviravolta até certo
ponto surpreendente, o último
ensaio de "A Cultura e Seu Contrário" inspira-se numa ideia
do cineasta Jean-Luc Godard,
para quem "a cultura é a regra, a
arte, a exceção".
Todo o potencial negativo do
conceito de cultura, que Teixeira Coelho invocava contra os
defensores da identidade e da
fixidez, passa agora a ser atribuído ao conceito de obra de arte: nesta é que se concentraria,
segundo o autor, todo o poder
de hostilidade ao mundo, de
"ampliação da presença do
ser", de ruptura, de fugacidade... O que tornaria, em última
análise, possível pensar numa
"política cultural", mas não numa "política artística", se se
quiser respeitar o projeto próprio a cada obra de arte em particular.
"A Cultura e Seu Contrário"
não desenvolve muito as consequências práticas, em termos
de política pública, de suas formulações. As questões mais específicas da política cultural, no
âmbito estratégico dos centros
urbanos, são objeto de outro
volume da coleção "Observatório Itaú Cultural".
Cidade-espetáculo,/b>
Organizado pelo mesmo Teixeira Coelho, "A Cultura pela
Cidade" reúne relatos de especialistas a respeito de experiências administrativas em Bilbao,
Ibiza, São Paulo e Cidade do
México, além de ensaios mais
abrangentes, como o do argentino Néstor García Canclini sobre as "cidades-espetáculo" na
cultura global.
Certo "culturalês" bastante
repetitivo reduz o público deste
livro aos especialistas em "gestão" e "governança" -embora
não deixe de ser curioso notar,
até pela distância entre pensamento e prática, a opinião de
um especialista britânico sobre
a realidade cultural paulistana.
O Mube (Museu Brasileiro
da Escultura, em SP) seria, nas
palavras de Richard Williams,
"um espaço público extremamente bem-sucedido".
Quem conhece as vicissitudes do local haverá de sorrir
diante de tal otimismo, que felizmente Teixeira Coelho, ao
menos nas páginas de "A Cultura e Seu Contrário", parece longe de compartilhar.
A CULTURA E SEU CONTRÁRIO
Autor: Teixeira Coelho
Editora: Iluminuras (tel. 0/xx/11/3031-6161)
Quanto: R$ 38 (160 págs.)
A CULTURA PELA CIDADE
Autor: Teixeira Coelho (org.)
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 38 (192 págs.)
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