São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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Ponto de fuga

A modéstia do operário

Cézanne não pode ser reduzido ao papel de precursor do cubismo: Cézanne é Cézanne, um pintor com soluções originais e próprias

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

A Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura começou com Van Gogh [1853-90], grande gênio muito amado de todos. O segundo volume foi consagrado a Cézanne [1839-1906].
Cézanne ocupa um lugar máximo na história da arte. Mas, dentre seus grandes contemporâneos, não é o mais popular. No entanto produziu uma obra inabalável, tanto por seu papel histórico quanto por sua qualidade altíssima e sem desníveis.
Ele não se insere no fluxo de um movimento (sua participação entre os impressionistas é secundária). Foi compreendido como um articulador unindo o século 19 (Courbet) ao 20 (cubistas).
A relação com o cubismo (reivindicada pelos próprios cubistas), por mais valorizadora que seja, torna-se um obstáculo para perceber sua obra, já que ele se torna um prenúncio do cubismo. Cézanne não pode ser reduzido ao papel de precursor: Cézanne é Cézanne, um pintor com soluções prodigiosamente originais e próprias. Sua obra repousa na beleza de um equilíbrio que se descobre em cada quadro como novo problema a ser resolvido.
A pintura foi, para ele, um esforço de operário, tarefa solitária, praticada cotidianamente, com esforço, com constância e sem a efervescência da inspiração romântica.
Sua vida correu no oposto dos dramas aventurosos. Nasceu e viveu na Provence, em Aix, com poucas passagens por Paris e pela região da Île-de-France.
Teve amizades fortes, que se rompiam com freqüência. Foi rico o bastante para viver de renda, sem se preocupar com o pão de cada dia: não teve que lutar por sua carreira de artista. Contentou-se em fazer o que queria, sem dar satisfações ao público ou à crítica.

Obra
Cézanne não datava seus quadros. Os especialistas com freqüência divergem sobre os momentos e locais de execução de muitas telas. É difícil estabelecer uma evolução precisa; as divisões em períodos que os historiadores da arte praticaram formam, no seu caso, categorias bastante grosseiras.
A primeira época de sua obra, parisiense, que ele chamava de "peinture couillarde" (o que pode ser traduzido livremente por "pintura de bundão"), mostra uma pincelada violenta, empastada, trabalhada com a espátula, numa matéria pictural generosa, em que os negros são muito presentes.
Mais o tempo avança, mais seu trabalho se torna cada vez mais reflexivo e lento (Cézanne submetia seus modelos à tortura de horas em imobilidade, e dezenas de sessões de pose). Clareia e ilumina sua paleta pouco a pouco ("as sombras são azuis", dizia).

Cristal
Nos anos de 1880, Cézanne percorre, a pé, muitos quilômetros diários no entorno de Aix-en-Provence, consagrando-se sobretudo à pintura da montanha de Santa Vitória, enorme rochedo claro, que se destaca na terra vermelha.
Com ela atinge o que se poderia chamar de um classicismo do equilíbrio. É com os retratos, com as naturezas-mortas e com a paisagem que esse domínio pictural se estabelece.

Insatisfação
Na consciência do pintor nunca existiu a idéia de que ele tivesse alguma maestria em sua arte. Pintar sempre lhe foi doloroso e frustrante.
Pouco antes de morrer, em 1906, escreve a seu filho: "Enfim, eu te diria que me torno, como pintor, mais lúcido diante da natureza, mas que, em mim, a realização das sensações é sempre muito penosa. Não consigo chegar à intensidade que se desenvolve diante dos meus sentidos, não tenho essa magnífica riqueza de coloração que anima a natureza".

jorgecoli@uol.com.br


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