São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2006

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Ponto de fuga

Novos cantos


Duas óperas recentes, de brasileiros, tiveram estréia mundial em São Paulo; num país de estruturas frágeis para a cultura como o Brasil, esse é um fato animador r


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Duas óperas recentes, de compositores brasileiros, tiveram estréia mundial em São Paulo. O repertório dos teatros redescobre cada vez mais óperas do passado, mas acolhe com dificuldade as do presente.
Óperas são espetáculos caros, complexos, difíceis de conceber e de compor. Que, num país de estruturas frágeis para a cultura como o Brasil, duas obras novas e ambiciosas tenham sido representadas (na mesma cidade, na programação regular de dois teatros diferentes, próximas no tempo, fora de qualquer festival ou outro gueto do gênero) é um fato extraordinário e animador.

"Food of love"
Ronaldo Miranda teve uma experiência prévia no campo da ópera: um excepcional "Dom Casmurro", de 1992, então protagonizado por Paulo Fortes.
A excelente Banda Sinfônica do Estado de São Paulo encomendou agora a ele "A Tempestade", inspirada em Shakespeare. A partitura, impulsionada pelo fluxo poético, é convincente, dramática, cuidada e justa nos detalhes. Maravilhoso o modo como a orquestração, baseada nos instrumentos de sopro que constituem a banda sinfônica, se casa com as vozes, aclimatando personagens, sejam eles cômicos, aéreos, exaltados ou violentos.
O primeiro ato poderia ser mais concentrado, mais enxuto, mais curto: coisa de somenos, que uma revisão simples acerta. Ótimos cantores brasileiros integraram o elenco numeroso. A montagem soube tirar o melhor possível dos visíveis limites de recursos.
Resta o fato de que "A Tempestade" teve apenas três representações, ocorridas no Theatro São Pedro. É crucial que seja retomada em outras cidades e, no futuro, integre com regularidade as programações líricas. Que seja editada em CD e DVD, maneira definitiva de difundir e afirmar qualquer obra musical. Como deveria ter acontecido com "Dom Casmurro", agora sobrevivendo apenas na lembrança dos que estiveram presentes nas únicas récitas de 14 anos atrás.

Luta final
"Olga", ópera de Jorge Antunes, inspirou-se na vida dramática da mulher de Luiz Carlos Prestes. A apresentação foi no Theatro Municipal de São Paulo. Estupenda a cenografia de William Pereira, que também criara a de "A Tempestade".
Com "Olga", porém, ele teve meios muito superiores aos que lhe foram permitidos no Theatro São Pedro. "Olga" surgiu como plena e verdadeira ópera para os olhos.
Jorge Antunes, compositor de grandes qualidades, tratou a orquestra de maneira fascinante: não é à toa que o maestro Jamil Maluf se entusiasmou pela abertura, programando-a num concerto anterior. Haveria uma bela suíte sinfônica a ser extraída da obra.
No entanto não basta ser ótimo músico para fazer boa ópera. Puccini dizia que Deus o havia tocado com o dedo mindinho e decretado: "Vá fazer música. Mas veja lá, só ópera". O inverso é ainda mais verdadeiro. Uma ópera exige do compositor o sentido do teatro, dos personagens, da palavra cantada. Isso faltou em "Olga". A tal ponto que as frases faladas pousavam sobre a música, mais integradas do que o canto. A pantomima de Tristão e Isolda, muda, foi um momento alto.
É verdade que o libreto não ajudou, com suas rimas de periquito e versos de pé quebrado. A História (com H maiúsculo), estava presente, mas não soube se infiltrar nos personagens (que se pense no "Guilherme Tell", no "Don Carlo", em "Boris", na "Khovantchina"). Figuras esquemáticas, eles não conseguiram alçar-se nem à densidade humana nem à força do símbolo.

jorgecoli@uol.com.br


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