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cultura
O museu público na corda bamba
CRISTINA FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA
O museu está na ordem do dia e, no
Brasil, tem ocupado espaço significativo na mídia e na agenda do
governo. Como instrumento ótico privilegiado, o museu vem, ao longo dos
séculos, forjando noções sedimentadas na
história. Em suas práticas e representações
atuais, delineiam-se relações contraditórias
e conflitantes com os anseios do humanismo que o criou.
Esse parece ser o drama maior do museu
público em tempos neoliberais.
É fato corrente que, há pelo menos algumas décadas, a idéia de museu, sobretudo
museu de arte, torna-se sinônimo de edifício, espaço público onde se efetiva a visibilidade de administrações e vaidades indisfarçáveis. Despontam nesse horizonte projetos faraônicos, como o do museu Guggenheim que ameaçou instalar aqui mais um
de seus satélites, legítimo fast-food cultural,
afrontando os museus nativos pela drenagem de divisas e desprezo pelo local, fruto
do velho legado colonial.
Arquitetura monumental não garante lugar simbólico, isto é, legitimidade e relevância social não são feitos, apenas, de concreto e vidro. Está aí a crise do Masp (Museu de Arte de São Paulo) para que nos sirva de lição.
Distração x reflexão
Alavancar a dimensão pública do museu
não se resume a invocá-la como chavão nos
discursos oficiais, mas, partindo dessa condição, tornar o museu um lugar de apropriação social, independente de interesses
mercadológicos e privados. Nesse caso, seu
acervo é ponto privilegiado para que se
reencontre um sentido, para além do bombardeio de imagens e informações descartáveis a que estamos expostos em nosso
dia-a-dia.
É necessário instigar, em cada ação, o
pensamento crítico e fomentar, por exemplo, nos museus de arte, por meio da pesquisa de seus acervo, uma revisão da história que se apresenta há tempos como história das formas, estagnada na celebração do
fetiche das obras-primas, das cronologias
estanques pontuadas por artistas já há muito consagrados.
Buscar a integração do museu com a dinâmica mesma do campo artístico, que não
é outra senão a do campo social mais amplo, é vital. Mesclar-se no curso de seus movimentos, abandonar conceitos anacrônicos, apontar diretrizes para rever práticas,
articular o global ao local, procurando integrar no museu os diferentes campos do conhecimento junto das novas tecnologias.
Transitório x permanente
Persistentemente, de maneira consistente, formar um público permanente e ampliá-lo. Instigar sua sensibilidade, provocar
seu pensamento plástico e fruição intelectual e acima de tudo resistir, tenazmente, à
hegemonia abstrata e flutuante das cifras.
Nossa época impregna-se pela lógica econômica em que domina a "síndrome da estatística". Os critérios de avaliação pautam-se inadvertidamente pela lógica da liquidação: massa atrai massa. Quantidade não é
sinônimo de qualidade, e o museu público
compreende que não deve se pautar pela
pressão dos números.
Afinal, vale lembrar a advertência de
Walter Benjamin [1892-1940]: "Irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige
ao presente , sem que esse presente se sinta
visado por ela".
Cristina Freire é professora associada no Museu de
Arte Contemporânea da USP, autora de "Poéticas do
Processo - Arte Conceitual no Museu" (Iluminuras).
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