São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ponto de Fuga

Viagens no escuro


Uma delícia "Polaróides Urbanas", primeiro filme de Miguel Falabella; bem mais que um besteirol, é cinema de verdade; Falabella sabe filmar, sabe dirigir atores

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford" (de Andrew Dominik, DVD Warner): relações de afeto ou de cumplicidade emaranhadas e complexas. Robert Ford, fascinado por Jesse James, torna-se seu favorito. Depois, vê-se ameaçado, num jogo cruel de gato e rato.
Para se salvar, assassina Jesse James pelas costas, um Jesse James desesperado por morrer. Robert Ford explora sua glória, encenando, no teatro, a cena do crime. Aos poucos, é visto como covarde, matador de um moderno Robin Hood.
Brad Pitt, como Jesse James, tem a majestade de um soberano. O rosto de Casey Affleck (Ford) lembra um pouco Rimbaud, um pouco o jovem Alain Delon, lábios finos, sorriso inquietante. Frágil e ameaçador, domina do alto toda a excelente distribuição.
O filme, no entanto, se encarrega de neutralizar esses formidáveis trunfos. Constitui uma lição de equívocos cinematográficos. Paisagens bonitas como um cartão-postal. Não entram nas necessidades narrativas. Não participam de qualquer intensidade visual.
Cenas vistas por lentes embaçadas nas laterais, efeito sem coerência. Vem à mente o que faria no lugar Terrence Malick [diretor de "Além da Linha Vermelha", entre outros], capaz de poesia grande e épica diante da natureza.
Muita banalidade. A cena culminante, em que Jesse James dá as costas para levar a bala que o espera, é desprovida de interesse, afora a força intrínseca dos atores. Basta imaginar Scorsese ou Eastwood filmando a mesma coisa. Ou melhor, basta lembrar como Samuel Fuller recriou o mesmo momento em 1949 ["Matei Jesse James"].

Cotuba
Em DVD [importado Universal], "O Homem Que Se Vendeu" ("The Great McGinty" , 1940). Primeiro filme de Preston Sturges como diretor. Falsa comédia com gosto de cinismo impiedoso. Erupção de fantasia num redemoinho de situações tratadas com ritmo controlado, revestidas por uma secura certeira. Um morto de fome ascende à prefeitura da cidade, depois ao governo do Estado.
Boa gente, deixa-se conduzir nesse percurso por trapaceiros e vira instrumento para negociatas. Até o dia em que decide praticar uma única ação honesta. Então, tudo desmorona: foge para não ser preso, em exílio numa republiqueta latino-americana.
É o anti-Capra, o negativo de "A Mulher Faz o Homem" ("Mr. Smith Goes to Washington", 1939). No caso de Sturges, a mulher desfaz o homem: é ela quem o influencia para que aja corretamente e assim arruíne sua carreira.
"O Homem Que Se Vendeu" pulveriza com sarcasmo toda crença em qualquer comportamento ético dentro da política, qualquer valor de pureza democrática. Pode lembrar Scorsese por certos aspectos, menos a gordura metafísica e estilística. Bastaria esse filme para pôr Sturges no topo da cinematografia norte-americana.

Astral
Uma delícia "Polaróides Urbanas", primeiro filme de Miguel Falabella. Bem mais que um besteirol, é cinema de verdade. Falabella sabe filmar, sabe dirigir atores. Inventa personagens caricaturais desopilantes e cria, também, outros muito nuançados.
A infelicidade melancólica da mocinha à beira do suicídio, o sonho de casamento interesseiro da garota bonita e ambiciosa, a solidão afetiva da dona-de-casa são verdadeiros, humanos e tocantes.

Droga
Selton Mello é ótimo ator, "Meu Nome Não É Johnny" (Atitude Produções, 2008) faz sucesso. Escolar e bem-comportado, o filme conclui pelo triunfo do bem. O herói é preso, reabilita-se. Quando sai, vence na vida. Como se sabe, as prisões brasileiras são excelentes para recuperar criminosos.



jorgecoli@uol.com.br


Texto Anterior: Os Dez +
Próximo Texto: Discoteca Básica: Sketches of Spain
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.