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Ponto de Fuga
Viagens no escuro
Uma delícia "Polaróides Urbanas", primeiro filme de Miguel Falabella; bem mais que um besteirol, é cinema de verdade; Falabella sabe filmar,
sabe dirigir atores
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O Assassinato de Jesse
James pelo Covarde
Robert Ford" (de Andrew Dominik, DVD Warner):
relações de afeto ou de cumplicidade emaranhadas e complexas. Robert Ford, fascinado por
Jesse James, torna-se seu favorito. Depois, vê-se ameaçado,
num jogo cruel de gato e rato.
Para se salvar, assassina Jesse James pelas costas, um Jesse James desesperado por
morrer. Robert Ford explora
sua glória, encenando, no teatro, a cena do crime. Aos poucos, é visto como covarde, matador de um moderno Robin Hood.
Brad Pitt, como Jesse James,
tem a majestade de um soberano. O rosto de Casey Affleck
(Ford) lembra um pouco Rimbaud, um pouco o jovem Alain
Delon, lábios finos, sorriso inquietante. Frágil e ameaçador,
domina do alto toda a excelente distribuição.
O filme, no entanto, se encarrega de neutralizar esses
formidáveis trunfos. Constitui
uma lição de equívocos cinematográficos. Paisagens bonitas como um cartão-postal.
Não entram nas necessidades
narrativas. Não participam de
qualquer intensidade visual.
Cenas vistas por lentes embaçadas nas laterais, efeito sem
coerência. Vem à mente o que
faria no lugar Terrence Malick
[diretor de "Além da Linha
Vermelha", entre outros], capaz de poesia grande e épica
diante da natureza.
Muita banalidade. A cena
culminante, em que Jesse James dá as costas para levar a
bala que o espera, é desprovida
de interesse, afora a força intrínseca dos atores. Basta imaginar Scorsese ou Eastwood filmando a mesma coisa. Ou melhor, basta lembrar como Samuel Fuller recriou o mesmo
momento em 1949 ["Matei
Jesse James"].
Cotuba
Em DVD [importado Universal], "O Homem Que Se Vendeu" ("The Great McGinty" ,
1940). Primeiro filme de Preston Sturges como diretor. Falsa
comédia com gosto de cinismo
impiedoso. Erupção de fantasia
num redemoinho de situações
tratadas com ritmo controlado,
revestidas por uma secura certeira. Um morto de fome ascende à prefeitura da cidade, depois ao governo do Estado.
Boa gente, deixa-se conduzir
nesse percurso por trapaceiros
e vira instrumento para negociatas. Até o dia em que decide
praticar uma única ação honesta. Então, tudo desmorona: foge para não ser preso, em exílio
numa republiqueta latino-americana.
É o anti-Capra, o negativo de
"A Mulher Faz o Homem"
("Mr. Smith Goes to Washington", 1939). No caso de Sturges,
a mulher desfaz o homem: é ela
quem o influencia para que aja
corretamente e assim arruíne
sua carreira.
"O Homem Que Se Vendeu"
pulveriza com sarcasmo toda
crença em qualquer comportamento ético dentro da política,
qualquer valor de pureza democrática. Pode lembrar Scorsese por certos aspectos, menos a gordura metafísica e estilística. Bastaria esse filme para
pôr Sturges no topo da cinematografia norte-americana.
Astral
Uma delícia "Polaróides Urbanas", primeiro filme de Miguel Falabella. Bem mais que
um besteirol, é cinema de verdade. Falabella sabe filmar, sabe dirigir atores. Inventa personagens caricaturais desopilantes e cria, também, outros
muito nuançados.
A infelicidade melancólica da
mocinha à beira do suicídio, o
sonho de casamento interesseiro da garota bonita e ambiciosa, a solidão afetiva da dona-de-casa são verdadeiros, humanos e tocantes.
Droga
Selton Mello é ótimo ator,
"Meu Nome Não É Johnny"
(Atitude Produções, 2008) faz
sucesso. Escolar e bem-comportado, o filme conclui pelo
triunfo do bem. O herói é preso,
reabilita-se. Quando sai, vence
na vida. Como se sabe, as prisões brasileiras são excelentes
para recuperar criminosos.
jorgecoli@uol.com.br
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