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CENTRO
EXPANDIDO
DISPERSÃO PERMITIU À UMBANDA ENXERTAR-SE EM OUTRAS CRENÇAS, MAS A PREJUDICOU NO COMPETITIVO MERCADO RELIGIOSO; SP DESPONTA EM NÍVEL NACIONAL
DA SUCURSAL DO RIO
São 18h de uma quinta-feira e a fila que começa em frente ao sobrado do Belenzinho
onde funciona o Colégio de Umbanda Sagrada Pai
Benedito de Aruanda, na zona
leste de São Paulo, já sumiu de
vista. O culto começa às 19h, e
nas próximas quatro horas 127
médiuns incorporados com espíritos de caboclos atenderão
gratuitamente a mais de 1.200
pessoas que buscam conselhos
e curas.
O colégio de umbanda é hoje
um dos pólos de expansão da
religião em São Paulo e no interior do Estado. Além das giras
noturnas, recebe semanalmente cerca de 2.500 alunos nos
grupos de estudo e mantém
uma escola onde ajuda a desenvolver a mediunidade de 250
futuros pais e mães-de-santo.
À frente do projeto está o
médium Rubens Saraceni, 56,
criador da Umbanda Sagrada e
hoje um dos expoentes da religião em São Paulo, junto com
Jamil Rachid, Milton Aguirre e
Ronaldo Linares, todos com 75
anos. Saraceni vem tentando
construir um arcabouço teológico com livros como "Doutrina e Teologia de Umbanda Sagrada" e "O Código de Umbanda", editados pela Madras.
Ele escreveu 42 livros, uma
boa parte psicografados. O romance "O Guardião da Meia-Noite" vendeu mais de 150 mil
exemplares.
Há outro indício de vitalidade da umbanda em São Paulo, a
Faculdade de Teologia Umbandista. Criada pelo cardiologista
Francisco Rivas Neto, 58, em
2003, é reconhecida pelo Ministério da Educação e formou
em 2007 os primeiros 35 teólogos. Rivas Neto também é um
escritor de sucesso e tem igualmente uma obra doutrinária.
Seu principal livro é de 1989,
"Umbanda - A Proto-Síntese
Cósmica" (editora Pensamento), a base da Ordem Iniciática
do Cruzeiro Divino.
Antes deles, Ronaldo Linares
criou, em 1968, um programa
de cursos e já formou mais de
2.700 sacerdotes. Sua principal
obra é o Santuário Nacional da
Umbanda, da Federação Umbandista do Grande ABC, um
terreno de 645 mil m2 com
áreas da Mata Atlântica preservadas. É lá que os umbandistas
paulistas realizam suas oferendas religiosas.
Saraceni, Rivas Neto e Linares são indicadores da vitalidade da umbanda em São Paulo.
Todos tentam dotar a religião
de uma base doutrinária que
lhe dê status e reconhecimento, mas a tarefa é difícil.
Parece ser intrínseco à umbanda a dispersão, a descentralização e a prática sem cânones. As centenas de federações
criadas desde a década de 1930
também tentaram unificá-la,
organizá-la e normatizá-la,
sem êxito. Cada terreiro, tenda
ou centro é uma umbanda. É
uma religião aberta, definem
seus seguidores. Quem manda
é o chefe do terreiro.
Essa herança cultural ajudou
e atrapalhou a umbanda. Reginaldo Prandi observa que dificultou a sua participação no
mercado religioso, extremamente competitivo e dominado por religiões mais organizadas e com sólida base econômica. Mas também é fato que lhe
permitiu sobreviver e enxertar-se em outras religiões.
O antropólogo Émerson
Giumbelli atribui às fronteiras
fluidas entre o espiritismo e a
umbanda e entre a umbanda e
o candomblé a sua vitalidade.
Os caboclos e pretos-velhos
"umbandizaram" o candomblé,
o Santo Daime e outras práticas de encantados. Até mesmo
algumas igrejas evangélicas
hostis adotaram o descarrego.
A nova umbanda
A umbanda mudou muito
nesses cem anos. Ela manteve a
essência criada por Zélio de
Moraes -como a crença na mediunidade, na reencarnação e
na força dos orixás e de entidades espirituais-, mas os rituais
e simbologias já não são os
mesmos.
O pioneiro Centro Espírita
Nossa Senhora da Piedade,
criado por Zélio de Moraes e
hoje dirigido por sua neta,
Lygia Marinho da Cunha, 70,
em Cachoeiras de Macacu (RJ),
é uma exceção.
Embora tenha sofrido mudanças inevitáveis em seu estatuto interno, ele permaneceu
imune a práticas que acabaram
sendo adotadas pela maioria
dos centros.
As mudanças mais visíveis
foram o uso dos atabaques no
acompanhamento dos cantos
religiosos (antes, os pontos
eram só cantados ou acompanhados por palmas), a incorporação de novas linhas de entidades "nacionais" (como boiadeiros, baianos e marinheiros)
e o culto aberto aos exus (espíritos demonizados pelas igrejas
católica e evangélicas).
Os centros foram se conformando de acordo com a ênfase
que deram para alguma das
matrizes criadoras da religião.
Assim, uns valorizam mais as
raízes africanas (umbanda
omolokô e a umbanda traçada
ou umbandomblé), outros, o
kardecismo ou o catolicismo
popular (umbanda branca e derivadas), outros ainda, as tradições ocultistas (umbanda esotérica) ou as pajelanças indígenas (umbanda de caboclo).
Mesmo a origem da palavra
umbanda gera polêmica. A tese
mais aceita é a de que veio de
uma das línguas faladas por escravos vindo de regiões como
Angola e Congo (bantos) e que
significaria a arte de curar ou
feiticeiro. Para a umbanda esotérica, no entanto, a palavra é
derivada de "Aum-ban-dan",
que significaria o conjunto das
leis divinas numa "língua dos
espíritos".
Novas encruzilhadas
Passados cem anos, os umbandistas que entrevistei para
esta reportagem podem ser divididos, em relação ao futuro
da umbanda, em duas categorias: a dos otimistas e a dos céticos. Encontrei os mais otimistas em São Paulo, onde a religião tem suas escolas de formação, teólogos, jornais e uma indústria própria de objetos religiosos. Os mais céticos estavam
no Rio, onde visitei centros tradicionais empobrecidos.
A médium carioca Adriana
Berlinski de Queirós, 27, está
de malas prontas para a Bolívia.
Uma singularidade já lhe causou problemas nos centros em
que atuou: ela diz receber o
mesmo Caboclo das Sete Encruzilhadas que em 1908 baixou em Zélio de Moraes para
anunciar a umbanda.
Para os mais tradicionalistas,
isso equivale a uma heresia. Para Adriana, foi o sinal para uma
nova missão: deixar o Rio e levar a umbanda até a China. A
Bolívia será apenas a primeira
encruzilhada da nova caminhada.
(MB)
NA INTERNET
www.folha.com.br/080863
leia entrevista exclusiva e
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sobre umbanda
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