São Paulo, domingo, 30 de abril de 2000


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+ 3 questões Sobre reforma agrária

1. Em que situação está a reforma agrária no Brasil?
2. O que a diferencia do desenvolvimento agrário?
3. Qual o sentido da campanha das "500 invasões"?


Egídio Bruneto responde

1.
Reforma agrária significa essencialmente um processo amplo de democratização da propriedade da terra. Esse processo foi executado em diversos países do mundo pelo Estado, em nome da sociedade, e teve como objetivo principal criar as bases para uma sociedade mais democrática, gerar um processo de desenvolvimento da produção industrial e agrícola voltada para as necessidades do país (mercado interno), gerar trabalho e renda para milhões de pessoas que viviam no meio rural e combater a pobreza e as desigualdades sociais. No Brasil, o que estamos assistindo há 500 anos, dentro dos vários modelos econômicos adotados pelas elites, é uma política contrária a esse processo. Continua havendo concentração da propriedade da terra, aumentam os níveis de desigualdade social e a pobreza no meio rural. Há em curso apenas uma política de assentamentos rurais que não consegue alterar a concentração da propriedade e da renda. E, mesmo assim, só são feitos pelo governo quando os pobres do campo se organizam e lutam.

2.
O principal a ser compreendido é que está sendo implantado no Brasil, a partir da década de 90, um novo modelo econômico que subordina totalmente a economia brasileira aos interesses do capital internacional financeiro. E, nesse modelo, a classe dominante brasileira abriu mão de construir um modelo nacional independente, em que a prioridade da economia seja organizar a produção para resolver os problemas básicos da população. Passados esses dez anos, todos os indicadores econômicos e sociais pioraram. Aumentou o desemprego, a miséria, o êxodo rural. Somente os bancos e as multinacionais aumentaram seus lucros. A prioridade desse modelo para a agricultura continua sendo o estímulo às exportações agrícolas e o controle de nosso mercado por grandes empresas multinacionais. O governo FHC é um mero capataz desses interesses.

3.
O modelo econômico e agrícola que o governo FHC vem implantando no país aumentou em muito a pobreza no meio rural, o desemprego e a concentração da propriedade da terra. O resultado é o crescimento fantástico do número de pobres. Na época do modelo de industrialização, os pobres do campo ainda tinham como alternativa o emprego na indústria e a migração nas fronteiras agrícolas, com os programas de colonização. Agora, essas saídas não existem. Então aumenta a adesão ao MST e a disposição desses pobres de se organizar e lutar para sobreviver. O aumento das ocupações de terras é apenas resultado da política econômica. O governo FHC precisa reconhecer que nossos problemas sociais só se resolverão com mudança no modelo econômico e não apenas com propaganda, tentando enganar a opinião pública. Um dia a história e o povo vão cobrar.

Raul Jungmann responde

1.
Em 618 mil famílias assentadas, sendo 400 mil no atual governo e mais de 14 milhões de hectares já reformados, de 95 a 99. Até 2002 serão cerca de 850 mil famílias assentadas, ou seja, 4,3 milhões brasileiros, antes excluídos, estarão no programa nacional de reforma agrária. Em paralelo, diminuem os conflitos e a impunidade no campo. Em 88, mais de 180 mortes foram relacionadas à questão da terra. Em 96, ano do massacre de Eldorado do Carajás, foram 54, e, em 98, foram registradas 26 mortes. Quanto ao poder remanescente do latifúndio, foram cancelados registros de mais de 93 milhões de hectares, área superior à América Central. Em contrapartida, está em audiência um Sistema Público de Terras que pela primeira vez articula os registros cartorários, institutos estaduais de terra, Incra e Receita Federal por meio de um cadastro único que irá requerer a falência definitiva da fraude e da grilagem. Como complemento à reforma agrária clássica, foi criado o Banco a Terra, na verdade um crédito fundiário para quem não tem nenhuma ou pouca terra, a ser financiado em até 20 anos, com 3 de carência e juros de até 2% ao ano. O Pronaf Planta Brasil, de um montante de R$ 3,4 bilhões para crédito, infra-estrutura, pesquisa e orientação tecnológica dos agricultores, destina 550 milhões para os assentados. Estes, desde que mantenham seus filhos na escola dos 7 aos 14 anos, terão abatimento de 50% nos juros. Aliás, o programa de educação da reforma agrária, Pronera, alcançou no ano passado 70 mil alunos atendidos por mais de 20 entidades de ensino superior. O Lumiar, de assistência técnica, programa descentralizado e cujos profissionais são diretamente contratados pelos assentados, atende mais de 120 mil famílias. Portanto vamos indo bem, em que pese o muito que há por fazer.

2.
Reforma agrária é a intervenção na estrutura fundiária de um país ou região com o objetivo de promover a sua redistribuição para os que não têm ou têm pouca terra, juntamente com o acesso ao crédito, infra-estrutura e assistência técnica de modo a tornar o sem-terra ou minifundista de ontem no agricultor familiar de amanhã. Desenvolvimento agrário é mais amplo, por envolver a agricultura familiar, além da reforma agrária e do crédito fundiário, bem como, na concepção do programa Avança Brasil, todos os demais aspectos -educação, saúde, meio ambiente- que atingem o rural brasileiro.

3.
Invadir terras para ocupar manchetes. O MST é midiático-dependente. E o espaço, a atenção, é função do conflito, real ou virtual. As invasões têm caído nos últimos 12 meses. Por que este espasmo agora, senão para voltar ao noticiário?
Em suma, é o que nos meus tempos de militância chamávamos de niilismo pequeno-burguês.

QUEM SÃO

Egídio Bruneto
É membro da coordenação nacional e atual responsável pelo setor de Relações Internacionais do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

Raul Jungmann
É ministro do Desenvolvimento Agrário (antigo Ministério da Reforma Agrária).



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