São Paulo, domingo, 30 de abril de 2000


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O longo caminho da anatomia

especial para a Folha

A fascinação pelo corpo e a curiosidade em conhecer além do que a pele encobre sempre atraiu o homem, não só por uma necessidade médico-curativa do corpo, mas também por uma curiosidade físico-estética. No final do século 15 e no século 16, o corpo humano esteve no centro da arte renascentista, atraindo o interesse de artistas que buscavam sua beleza e perfeição estéticas. Leonardo da Vinci (1452-1519), por exemplo, esboçou inúmeros desenhos (nem sempre exatos) com estudos anatômicos das partes interiores e das proporções do corpo, objetivando um maior realismo em sua obra. Pinturas e esculturas da época mostravam corpos em posições dinâmicas, numa busca da anatomia e da beleza naturais. Na mesma linha de interesse, a medicina anatômica, que estava limitada, em seus estudos, à dissecação de animais, inaugurava uma nova era: a autópsia de corpos humanos. O anatomista Andreas Vesal (1514-1564), autor de "De Fabrica Humani Corporis", ficou famoso por fundar as bases da anatomia científica, corrigindo e reformulando os conceitos e as ilustrações anatômicas da época, buscando sua exatidão real.

Impedimentos
Entretanto a anatomia médica, em sua evolução, enfrentou muitos problemas. Michael Foucault, em "O Nascimento da Clínica" (1987), no capítulo "Abram Alguns Cadáveres", comenta que impedimentos éticos e religiosos, acrescentados de um desinteresse clínico-científico pelo cadáver em algumas épocas, foram responsáveis pelo longo caminho que a anatomia teve que percorrer. Metáforas sobre médicos que desenterravam cadáveres em cemitérios, à noite, às escondidas, para poderem examiná-los antes que apodrecessem, geraram muitas histórias de terror. Ao mesmo tempo, com a introdução do microscópio, no século 17, que possibilitou a pesquisa das mais finas estruturas do corpo, muitos anatomistas foram perdendo a curiosidade pelo estudo macroscópico do cadáver.
A anatomia do corpo humano readquire interesse no final do século 19, segundo Foucault, quando o cadáver voltou a ser entendido como fonte de saber para a análise de muitas doenças e a ser diuturnamente dissecado, examinado e estudado. Para Foucault, os médicos do século 19 foram, pouco a pouco, sendo "levados a "passar para o outro lado" e a descobrir a doença na profundidade secreta do corpo".
Apoiada pelos avanços tecnológicos, essa nova postura levou a medicina a evoluir e a se especializar.
O interesse pelo corpo humano e sua anatomia parece ressurgir agora também na arte, que quebra tabus ao expor de maneira provocativa os corpos e suas partes interiores. (MARIA TERESA SANTORO)


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