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O longo caminho da anatomia
especial para a Folha
A fascinação pelo corpo e a curiosidade em conhecer
além do que a pele encobre sempre atraiu o homem,
não só por uma necessidade médico-curativa do corpo,
mas também por uma curiosidade físico-estética.
No final do século 15 e no século 16, o corpo humano
esteve no centro da arte renascentista, atraindo o interesse de artistas que buscavam sua beleza e perfeição estéticas. Leonardo da Vinci (1452-1519), por exemplo, esboçou inúmeros desenhos (nem sempre exatos) com
estudos anatômicos das partes interiores e das proporções do corpo, objetivando um maior realismo em sua
obra. Pinturas e esculturas da época mostravam corpos
em posições dinâmicas, numa busca da anatomia e da
beleza naturais.
Na mesma linha de interesse, a medicina anatômica,
que estava limitada, em seus estudos, à dissecação de
animais, inaugurava uma nova era: a autópsia de corpos humanos. O anatomista Andreas Vesal (1514-1564),
autor de "De Fabrica Humani Corporis", ficou famoso
por fundar as bases da anatomia científica, corrigindo e
reformulando os conceitos e as ilustrações anatômicas
da época, buscando sua exatidão real.
Impedimentos
Entretanto a anatomia médica, em
sua evolução, enfrentou muitos problemas. Michael
Foucault, em "O Nascimento da Clínica" (1987), no capítulo "Abram Alguns Cadáveres", comenta que impedimentos éticos e religiosos, acrescentados de um desinteresse clínico-científico pelo cadáver em algumas
épocas, foram responsáveis pelo longo caminho que a
anatomia teve que percorrer. Metáforas sobre médicos
que desenterravam cadáveres em cemitérios, à noite, às
escondidas, para poderem examiná-los antes que apodrecessem, geraram muitas histórias de terror. Ao mesmo tempo, com a introdução do microscópio, no século 17, que possibilitou a pesquisa das mais finas estruturas do corpo, muitos anatomistas foram perdendo a curiosidade pelo estudo macroscópico do cadáver.
A anatomia do corpo humano readquire interesse no
final do século 19, segundo Foucault, quando o cadáver
voltou a ser entendido como fonte de saber para a análise de muitas doenças e a ser diuturnamente dissecado,
examinado e estudado. Para Foucault, os médicos do
século 19 foram, pouco a pouco, sendo "levados a "passar para o outro lado" e a descobrir a doença na profundidade secreta do corpo".
Apoiada pelos avanços tecnológicos, essa nova postura levou a medicina a evoluir e a se especializar.
O interesse pelo corpo humano e sua anatomia parece
ressurgir agora também na arte, que quebra tabus ao
expor de maneira provocativa os corpos e suas partes
interiores.
(MARIA TERESA SANTORO)
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