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PONTO DE FUGA
Além do inferno
JORGE COLI
em Nova York
Em 1938, quatro condenados
foram cozidos vivos numa prisão da Filadélfia. Existia lá um
lugar de punição, uma central
de aquecimento, sem ar, que
subia a temperaturas insuportáveis. Bastou um pequeno
"erro", e o desastre aconteceu. O jovem Tom Williams, de
27 anos, que tomaria mais tarde o pseudônimo de Tenessee,
escreve uma peça a partir desse
fato. O título vem de um poema
de Keats, "Not About Nightingales". Até hoje, ela nunca fora
representada. Vanessa Redgrave a redescobriu e promoveu
uma montagem em Londres,
agora trazida para a Broadway.
São quatro horas de duração,
que passam como cinco minutos. Sua arquitetura é impressionante, o drama geral desenrola-se por meio de indivíduos
e, a cada momento, o espectador é estimulado pelas configurações novas dos conflitos.
O caráter de denúncia coletiva
nunca é panfletário: ele vibra
em desesperos particulares, em
que a tensão sexual é o último
horizonte. Na tirania do diretor da prisão -o poderoso
ator Corin Redgrave, irmão de
Vanessa-, cruzam-se violência social e o arbitrário do
opressor. Ele é uma espécie de
Scarpia. O autor refere-se à sua
peça como melodrama, e os
críticos poderiam ter notado
como ela se parece com a
"Tosca", de Puccini, ópera
sobre a crueldade policial e os
brutais desejos físicos. Há várias citações, entre elas, no final, o protagonista atirando-se
num precipício. Um preso efeminado fala: "Toda minha vida fui perseguido porque sou
requintado". É também Blanche Dubois que desponta.
SACARINA - Existem mulheres bonitas, mulheres feias e as peruas. Da mesma maneira, há filmes bons, filmes ruins e os filmes de Franco Zeffirelli. Guerra, comédia e infância: "A Vida é Bela"? Não, "Tea with Mussolini". Impossível resistir ao bando de formidáveis atrizes: Joan Plowright, Judi Dench, Maggie Smith, Lily Tomlin e Cher. Zeffirelli inspira-se em sua infância. Ama Florença, onde nasceu, e as velhas tias. Mas guarda o espírito de um antiquário de luxo, adorando rodear-se de "bom gosto". Seu filme é recheado de tiradas pomposas sobre arte, beleza e sobre a nobre coragem. Logo depois de "Ryan", de "Além da Linha Vermelha" e sob a sombra imensa de seu mentor Visconti, é ainda mais insuportável perceber essa História e essa frouxa guerra cor-de-rosa, em que a barbárie fascista se resume a uma questão de janelas quebradas e de chá interrompido. Tudo é suave e adocicado, ou antes, usando uma expressão italiana: "Vomitevole". Mas há como um gostinho de Oscar no fundo da xícara. Zeffirelli sabe forçar a mão na cabotinagem e seduzir, com pretensa arte e falsa cultura, um público inocente que aplaudiu no final.
PÉS - O esforçado vence poderia ser a moral de "Endurance", filme distribuído pela
Disney. Felizmente, ele vai
além dessa mensagem curta.
Cruza documentário e reconstituição biográfica sobre o corredor etíope Haile Gebrselassie, vitorioso na Olimpíada de
Atlanta. Dirigido por Leslie
Woodhead, produzido por
Terrence Malick, "Endurance" foi fotografado do modo
mais inteligente. Sua estupenda trilha sonora é de Hans
Zimmer, que escreveu também
a de "Além da Linha Vermelha".
AMOR - "Sonho de uma
Noite de Verão" é, com certeza, a peça de Shakespeare mais
amada pelo século 19, se pensarmos em tudo o que ela inspirou na música e na pintura.
Não parece deslocada, assim, a
idéia do diretor Michael Hoffman de situá-la numa aldeia
italiana, cem anos atrás. Se o
filme não atinge a estratosférica poesia da versão de Reinhardt, feita em 1935, ele faz
sobressair o texto, o que já é
muito, e faz gargalhar de verdade durante o teatrinho dos
aldeões.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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