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Ponto de Fuga
Os seios caíram
No Ocidente, o século 20 viu
um progressivo desvestir-se feminino, agora há o retrocesso -sabe-se lá o que nos aguarda
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Triste notícia. A revista
francesa "Le Nouvel Observateur" relata: "Os
tendenciólogos são formais:
nada mais brega do que passear
na praia sem a parte de cima do
maiô".
É que, dos anos de 1970 até
agora, as francesas puseram-se
a expor os seios não só à beira-mar, mas nas piscinas públicas,
de clubes ou condomínios. Livres, eles não chocavam mais
ninguém. Aquelas que os tinham bonitos chamavam a
atenção ao oferecer a beleza
descoberta. As menos favorecidas não se importavam muito
com deixá-los de fora, e, olhando bem, sempre havia neles alguma coisa que despertava interesse.
Agora, caíram de moda. Pelo
menos os nus. Os tempos tornaram-se pudicos, regressivos,
conservadores. As muçulmanas sequestram o próprio aspecto com seus hijab (lenço
que oculta cabelos e pescoço),
jilbab, nicab, sitar, até chegar à
burca, que as recobre como se
fosse uma tenda ambulante.
As francesas escondem os
seios: é muito menos que as
muçulmanas, mas é sempre
uma dissimulação do corpo,
portador de pecados.
No Ocidente, o século 20 testemunhou um progressivo desvestir-se feminino: basta ver as
fotografias de praias há cem
anos. Agora, há o retrocesso.
Sabe-se lá o que nos aguarda:
pode ser que o século 21 assista
a um paulatino e coletivo striptease ao contrário.
Helenos
Os antigos gregos demoraram em esculpir mulheres
nuas. No 6º século a.C., os curos, rapazes, eram representados nus, mas as corês, moças,
eram sempre vestidinhas.
No final do século 5º a.C., Calímaco esculpiu sua "Vênus Genitrix" revelando apenas um
seio, magnífico. Seria preciso
esperar o 4º século a.C. para
que, enfim, Praxíteles desse um
novo sopro hedonístico à cultura helênica despindo sua "Afrodite de Cnido". A viril democracia ateniense entrara em decadência e a sedução feminina se
infiltrava nos costumes.
Eleição
Os seios da Vênus de Calímaco, um visível, o outro recoberto por finíssimo tecido, são estupendos.
Na história da pintura, Courbet [1819-77] deixou um par, insuperável, na tela "A Mulher e a
Vaga" (Metropolitan Museum,
Nova York). A textura translúcida permite perceber o tom
pálido, verde-azulado, das veias
sob a pele. Daniel Arasse, historiador da arte, viu uma metáfora do esperma na espuma do
mar que avança sobre o torso
da banhista. Análise sem dúvida excessiva, ela confirma, no
entanto, a força erótica da tela.
São sempre escolhas pessoais, questão de gosto, que variam. Qual seria o mais belo par
de seios em toda a história das
artes? Mensagens para esta
coluna.
Sutiã
Se Calímaco e Praxíteles esculpiram sublimes seios, Brecheret [1894-1955] é o autor
dos mais curiosos. São os da
"Musa Impassível", que ornava
o túmulo da poetisa Francisca
Júlia [no cemitério do Araçá,
em São Paulo] e que a Pinacoteca do Estado trouxe para o seu
acervo.
Essa estátua tem o mesmo título de um poema admirável e
outrora célebre da grande escritora. Traz as marcas estilísticas de um simbolismo "art nouveau" e tardio naqueles anos de
1920: alongamentos, linhas que
fluem. Apoiada numa muretinha, a musa, muito alta, recua
os ombros, avança o ventre,
empina os peitos pontudos e
dobra a cabeça num movimento contrário ao arco do corpo.
O rosto demonstra compunção, buscando traduzir em pedra "o sobrecenho austero",
que figura num dos versos: o
modelado dos olhos lembra as
deformações de "O Grito", de
Munch. Apenas, ao contrário
do que diz o poema, fecha as
pálpebras. O efeito engraçado
vem do contraste entre a expressão de solenidade afetada,
oposta aos seios espevitados e
oferecidos.
jorgecoli@uol.com.br
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