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Ponto de Fuga
Cortem-lhe os cabelos!
O Teatro Municipal de São Paulo teve a excelente idéia de montar "Sansão e Dalila", ópera de Saint-Saëns, uma obra-prima da volúpia cruel
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
É como a Rainha de Copas,
daquela Alice que passeou pelo país das maravilhas. Qualquer coisinha, ela
mandava: "Cortem-lhe a cabeça!". Mulheres exóticas, irresistíveis, destruíam e devoravam
os machos.
Aranhas voluptuosas. Helena de Tróia, Carmen, Semíramis. Theda Bara, vampe dos
primeiros filmes mudos, que
nascera em Cincinnati e se fazia passar por uma princesa
egípcia: algum marqueteiro daquela época teve a inspiração
de inventar que seu nome era o
anagrama de "arab death",
morte árabe.
A Condessa Vésper, criada
por Aluísio Azevedo num ótimo romance que pouca gente
lê: ela morre atingida por dois
tiros de pistolas carregadas
com diamantes. Salomé, que
sussurra em francês na peça de
Wilde e berra em alemão na
ópera de Richard Strauss, pedindo a cabeça de João Batista.
Dalila, que se contentou em
raspar o cocoruto de seu Sansão halterofilista porque sabia
que, sem a crina, ele pifava. Oscar Pereira da Silva, velho mestre que era grande nos temas
apimentados, figurou-a num
de seus melhores quadros; Cecil B. de Mille renovou seu mito
no cinema.
Fortificou-se, no século 19,
uma pavorosa obsessão sexual,
que dominou os medos masculinos da "belle époque". Eram
as belas damas sem piedade,
expressão que Keats cunhou
em verso, e serviu de título para um capítulo de "A Carne, a
Morte e o Diabo na Literatura
Romântica" (editora Unicamp), formidável livro de Mario Praz.
Todo esse intróito sobre a
mulher fatal é pelo seguinte: o
Teatro Municipal de São Paulo
teve a excelente idéia de montar "Sansão e Dalila", ópera de
Saint-Saëns, cuja estréia se deu
em 1877, uma obra-prima da
volúpia cruel.
Brilhantina
"Acadêmico", "parnasiano":
os modernos condenaram o
mestre, que ganha, hoje, leituras mais inteligentes de sua
música e sua personalidade.
O absoluto domínio técnico
no compor em nada abafou a
inspiração de Saint-Saëns.
"Sansão e Dalila" é perfeita, de
beleza soberana. Nela se evidenciam as melodias largas e
ondeantes, os ritmos dosados, a
expressão dramática, os matizes furta-cor da orquestra.
Os desejos sensuais não dissolvem a música em nenhuma
deliqüescência decadente, porque o compositor soube construir com amplidão e grandeza.
Deu ao coro um papel preponderante.
No Municipal, quando a orquestra iniciou suavemente e
as vozes brotaram, o público se
imobilizou, suspenso naqueles
sons. Jamil Maluf dirigiu a obra
com mais energia que lirismo,
acentuando tensões e obtendo
bela resposta de uma Sinfônica
Municipal em grande forma.
Pente
Nem todos os fios de cabelo,
porém, estavam no lugar, nem
a tesoura inteiramente afiada.
A Dalila importada da Argentina, Cecilia Diaz, com voz desigual, desaparecendo nos graves, sacrificando todo fraseado,
pronunciava um francês incompreensível; o Sansão inglês,
Richard Berkeley-Steele, tinha
dificuldade nos agudos. Ainda
assim, houve um momento de
graça na cena da sedução.
Ao contrário, Leonardo Neiva, brasileiro, foi um portento,
como sacerdote de Dagon: ao
cantar com Dalila no segundo
ato, ouvia-se quase que só sua
voz, poderosa, justa, bem timbrada.
Cortes
Feiosos e pobres, os cenários
de Hélio Eichbauer, com grandes bolas de Natal penduradas
aqui e ali. A direção cênica de
André Heller-Lopes tentava
salvar essa tristeza visual com
idéias nem sempre bem-sucedidas. Mas, defeitos ou não, a
última récita é hoje, e quem for
terá momentos muito belos.
jorgecoli@uol.com.br
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