São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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TODO O TEMPO DO MUNDO


O crítico e curador do Masp aponta diferenças e semelhanças nas obras de Monk e Krajcberg

TEIXEIRA COELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Meredith Monk insiste sempre numa idéia, que repetiu durante o bate-papo: "Na maioria de minhas obras, tento expressar uma sensação de atemporalidade, uma sensação do tempo como um ciclo recorrente". Nas obras de Frans Krajcberg, a idéia é outra, oposta: "Há um tempo, o tempo é este (o tempo desta floresta pegando fogo) e ele não vai voltar; o tempo já se esgotou, o resto é o fim".
Bem, não é exatamente a obra dele que diz isso: é ele quem o diz, com palavras.
Acessoriamente, o que diz isso são suas fotos. Há uma diferença sensível de categoria, de qualidade, entre suas fotos, também expostas na Oca, e aquilo que ele mesmo chama de suas esculturas.
As fotos mostram a coisa como ela é: a floresta pegando fogo, a destruição, o fim dos tempos. Suas esculturas mostram coisa inteiramente distinta; a rigor, mostram quase o contrário: a vida que retorna naquilo que havia se consumido.

O homem e o vestígio
Suas esculturas são casos da construção do belo, põem em destaque a relação de um homem com um vestígio, um resquício da natureza (não digo de um artista porque ele, por vezes, nega que aquilo seja arte, embora outras vezes fale genericamente da arte como se ela de fato existisse, e na qual acaba se incluindo).
Suas obras são belas. Por vezes, o belo em pauta é de tipo trágico (a tragédia é um caso do belo). Outras vezes, é um caso do belo simples, do belo direto e puro. Suas fotos mostram o mundo, suas esculturas mostram a arte.
Não há propriamente uma contradição entre as fotos e as esculturas na exposição.
Ele mesmo diz que as fotos precisam estar ali para que as pessoas vejam de onde suas esculturas vieram -ou, em todo caso, e isso é mais correto, para que entendam de onde o material de suas esculturas saiu.
Significa que ele sabe (se tem consciência disso é outra questão) que suas esculturas jogam numa outra dimensão, que pouco (ou nada) tem a ver com a situação que quer denunciar.
É nesse ponto que as obras dos dois artistas na superfície tão diferentes e tão distantes um do outro, Krajcberg e Monk, se tocam -é para esse ponto que convergem (talvez o mesmo ponto para onde convergem as obras de todos os grandes artistas).

Etéreo
As obras de Krajcberg não são elusivas, outra palavra que ressurge sempre na fala de Monk (ela ilustra, com palavras e com as mãos, durante a conversa, como suas obras têm essa qualidade, como suas obras, seu canto, seu corpo, evoluem na direção de um desmanche, de uma diluição).
As obras de Krajcberg não são elusivas em si, mas aquilo a que se referem (ou aquilo a que o artista diz que se referem) é tão etéreo quanto aquilo que Monk busca.

Vanguarda clássica
A diferença entre ele e ela é que Monk sabe que sua obra não vai promover nenhuma mudança imediata do mundo (ela sabe que age no sentido de buscar uma dessensibilização e, em seguida, uma eventual ressensibilização do espectador, nada muito além disso), enquanto Krajcberg diz o tempo todo, com palavras, que as pessoas precisam despertar, que o tempo está acabando -o que pressupõe que é isso o que ele busca: uma mudança imediata, já que não há mais tempo.
Meredith Monk joga na vanguarda extremada, na vanguarda hoje clássica, opera sobre o conceito (embora sua obra se insira num tempo e num espaço bem concretos: essa é a vantagem da música).
Krajcberg, pelo contrário, explicita sempre seu referente, como nas obras com fundas raízes na figura.
Mas um e outro -no caso de Krajcberg, se as fotos forem deixadas de lado- o que fazem é expor relações do ser humano com as coisas e, em particular, com os seres humanos.
Nenhum dos dois, em suas obras específicas, mostra o mundo (ou então é que as fotos são, para ele, mais que simples informação). Para Monk, isso não é um problema. Para Krajcberg, parece que é.
Caminhos e consciências à parte, os dois são grandes artistas. Aí também se tocam.
No fim do bate-papo, foram embora de braços dados, sorridentes -como se tivessem todo o tempo do mundo.


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