São Paulo, domingo, 31 de maio de 2009

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+Sociedade

Diplomacia do silêncio


Teste nuclear da Coreia do Norte exige novo tipo de atitude da comunidade internacional


EDWARD LUTTWAK
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos últimos dias, a Coreia do Norte detonou uma bomba nuclear e violou proibições do Conselho de Segurança da ONU, lançando mísseis balísticos. Na quarta-feira, ameaçou atacar a Coreia do Sul, repudiando formalmente o acordo de armistício firmado em julho de 1953 [que encerrou a Guerra da Coreia], com isso de fato revertendo a um estado de guerra com os EUA também.
Essas são provocações extremas -de fato, apenas um ataque concreto com disparos poderia superá-las-, mas a única resposta possível terá que ser diplomática. Contudo, apenas um tipo muito especial de diplomacia tem alguma chance de render resultados positivos: uma diplomacia do silêncio.
Sob ela, nenhuma comunicação de qualquer espécie seria feita com o regime norte-coreano, não haveria diálogo com qualquer diplomata norte-coreano em qualquer lugar e, sobretudo, nenhuma tentativa seria feita para reatar negociações sob formato nenhum. Obviamente, uma conduta desse tipo contradiria todas as doutrinas e preferências usuais dos diplomatas.
O instinto deles é conversar com todo adversário com quem é possível conversar -aqueles que têm inclinação histórica podem até citar a frase do belicoso Churchill [primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra] segundo a qual é sempre melhor "jaw-jaw than war-war" (conversar do que travar guerra).
Para falar com mais simplicidade, quando não há reconhecimento diplomático a ser trocado por concessões, os diplomatas operam com base na premissa de que conversar é sempre uma boa ideia porque as palavras não custam nada, mas podem produzir resultados palpáveis que valham alguma coisa, mesmo que seja pouco -e que talvez valham muito.
Mas não desta vez. Há anos os EUA, a China, a Rússia, o Japão e a Coreia do Sul vêm negociando pacientemente com a Coreia do Norte, oferecendo ajuda econômica, garantias de segurança e todos os benefícios da "normalização", em troca de a Coreia do Norte abandonar seus programas e suas instalações de armas nucleares.
A Coreia do Sul forneceu grandes pagamentos adiantados sob a forma de investimentos, assistência alimentar e grandes presentes em espécie. Assim, ao longo de anos, enquanto a ditadura militar do bizarro Kim Jong-il continuou a fazer sua própria população passar fome para poder acumular mais equipamentos militares -milhões de pessoas já morreram de fome, literalmente- e continuou a vender tecnologia nuclear e de mísseis ao Irã e à Síria, ela foi sendo ricamente recompensada diplomaticamente.
Os delegados de Kim Jong-il se sentaram ao lado dos representantes de EUA, China, Rússia e Japão -uma concessão importante que, por si mesma, elevou o prestígio do regime.

Sem concessões
Mas, a cada vez que o país cometeu um novo ultraje, desde lançar mísseis balísticos sobre o Japão até vender armas a terroristas, a reação foi retomar as conversações, sem nenhuma redução nas concessões oferecidas e até mesmo com mais presentes da Coreia do Sul.
Isso precisa parar -e agora. O regime norte-coreano nunca cedeu nada de importante nas negociações passadas que não atendesse aos interesses de ninguém exceto ele.
Desta vez, é preciso que a provocação não seja novamente recompensada. Evidentemente, o objetivo norte-coreano é atrair mais atenção, mais ofertas de concessões, mais presentes. A Coreia do Norte não deve receber nada.
Como a conversa até agora fracassou por completo, é possível que o silêncio ainda convença os norte-coreanos a melhorar seu comportamento.

EDWARD LUTTWAK é historiador e especialista em defesa do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos, em Washington (EUA).
Tradução de Clara Allain.



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