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+ cultura
O pianista Herbie Hancock fala de seu novo disco, lançado em parceria com uma rede de cafeteria dos EUA
Café com jazz
DO NEW YORK TIMES
O principal pianista de jazz
norte-americano da atualidade, Herbie Hancock
(1940), fala sobre sua relação com o mercado fonográfico e
seu mais recente disco, "Possibilities", lançado pela Starbucks Hear
Music, selo que é resultado de uma
associação entre a pequena gravadora Hear Music e a gigantesca rede de
cafeterias Starbucks.
Quando fiz sete anos, meus pais arrumaram um piano e daí em diante não me interessei mais por esportes, com os quais sempre tive experiências negativas
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Hancock fez
parte do quinteto que acompanhava
Miles Davis nos anos 60, considerado até hoje um dos melhores conjuntos da história.
Pergunta - O sr. é tido como o mais
importante pianista de jazz em atividade nos EUA, por isso estou curioso
de saber o que o levou a lançar seu novo álbum, "Possibilities", pela Starbucks Hear Music.
Herbie Hancock - Como negócio, é
uma oportunidade fantástica. As lojas de discos atraem principalmente
o público jovem, pessoas que têm
entre 18 e 24 anos, já o público da
Starbucks é bem mais abrangente.
Todo mundo vai à Starbucks.
Pergunta - Eles de fato oferecem
uma alternativa à estupidez vigente
nas paradas de sucesso, mas a maioria das produções da Starbucks Hear
Music são coletâneas com gravações
antigas, não?
Hancock - Acho que o primeiro CD
original que eles produziram foi
"Genius Loves Company", do Ray
Charles. O meu é um desdobramento disso.
Pergunta - Entendi. E, assim como o
dele, o seu álbum conta com a participação de nomes da música pop, como
Paul Simon, John Mayer, Sting e Christina Aguilera. O sr. diria que se trata de
um disco de jazz?
Hancock - Não. E nem era a minha
intenção fazer um disco de jazz propriamente dito. Mas acho que o espírito predominante nas faixas do
álbum conserva a essência do jazz,
que é a da colaboração entre os músicos.
Pergunta - Quer dizer que o sr. fez isso para ampliar o seu público? O CD do
Ray Charles vendeu cerca de 700 mil
cópias na Starbucks.
Hancock - Esse tipo de preocupação eu não tenho. Acho mais importante a pessoa saber avaliar a si mesma e não ficar na dependência do
que os outros pensam dela. Sou
adepto do budismo há 30 anos.
Pergunta - E como budista o sr. não
acha que a Starbucks prejudica a nossa saúde fazendo a gente ingerir tanta cafeína?
Hancock - O fato é que chá é tão
prejudicial quanto café. Mas talvez
seja melhor você não publicar essa
história de que café faz mal. Não
quero que o pessoal da Starbucks fique com raiva de mim.
Pergunta - Por que o receio de melindrar os executivos da Starbucks?
Hancock - Acontece que eu sou parceiro da Starbucks nessa produção.
Quando você assina um contrato
com uma gravadora, o disco é dela.
Você não tem acesso aos números,
às vendas. Você nunca participa das
reuniões, eles podem fazer o que
bem entenderem.
Pergunta - O sr. é músico profissional desde os 11 anos de idade, quando seu talento para o piano clássico
lhe permitiu tocar com a Orquestra
Sinfônica de Chicago. De onde vem
tanta disciplina?
Hancock - Eu tenho um irmão mais
velho. Quando ele tinha seis anos, eu
tinha três. Minhas mãos eram menores que as dele. Eu era incapaz de
lançar uma bola de beisebol, não
conseguia fazer um arremesso, os
amigos dele eram melhores do que
eu em tudo. Quando fiz sete anos,
meus pais arrumaram um piano e
daí em diante não me interessei mais
por esportes, com os quais sempre
tive experiências negativas. Eu não
saía de perto do piano, que era o lugar onde eu me sentia seguro.
Pergunta - Seus pais eram pessoas
ligadas à música?
Hancock - Não. Meu pai trabalhava
na vigilância sanitária. O nome dele
era Wayman Hancock. Passou a
maior parte da vida inspecionando
abatedouros para o governo.
Pergunta - Pena que ele não esteja
mais aqui para nos ajudar com esses
casos de vaca louca.
Hancock - Pois é. Sabe que uma vez
ele encontrou antraz numa vaca? Foi
um escândalo. Disseram para ele
que a cada 25 anos aparece uma vaca
com antraz.
Pergunta - O que seus pais acharam
quando o sr. desistiu de Mozart para
tocar no grupo de Miles Davis?
Hancock - Eles preferiam música
clássica. Achavam jazz uma coisa
medonha.
Pergunta - Por muitos e muitos anos
o sr. foi o caçula do jazz, mas se não
estou enganado todos os músicos que
participam do disco novo são mais jovens que o sr.
Hancock - Hoje em dia sou sempre
o mais velho.
Pergunta - Mais velho que Paul Simon?
Hancock - Conversei com ele sobre
isso, mas não lembro a que conclusão chegamos.
Pergunta - Ninguém diz que o sr. está com 65.
Hancock - É que eu tinjo o cabelo.
Pergunta - Sério? Mas não dá muito
trabalho?
Hancock - Preciso tingir a cada cinco ou seis semanas. Tem um cabeleireiro em Los Angeles que me atende
em casa.
Pergunta - Já fez plástica?
Hancock - Não. Só faço tratamentos
indolores.
Tradução de Alexandre Hubner.
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