São Paulo, domingo, 31 de julho de 2005

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+ cultura

O pianista Herbie Hancock fala de seu novo disco, lançado em parceria com uma rede de cafeteria dos EUA

Café com jazz

DO NEW YORK TIMES

O principal pianista de jazz norte-americano da atualidade, Herbie Hancock (1940), fala sobre sua relação com o mercado fonográfico e seu mais recente disco, "Possibilities", lançado pela Starbucks Hear Music, selo que é resultado de uma associação entre a pequena gravadora Hear Music e a gigantesca rede de cafeterias Starbucks.


Quando fiz sete anos, meus pais arrumaram um piano e daí em diante não me interessei mais por esportes, com os quais sempre tive experiências negativas


Hancock fez parte do quinteto que acompanhava Miles Davis nos anos 60, considerado até hoje um dos melhores conjuntos da história.
 

Pergunta - O sr. é tido como o mais importante pianista de jazz em atividade nos EUA, por isso estou curioso de saber o que o levou a lançar seu novo álbum, "Possibilities", pela Starbucks Hear Music.
Herbie Hancock -
Como negócio, é uma oportunidade fantástica. As lojas de discos atraem principalmente o público jovem, pessoas que têm entre 18 e 24 anos, já o público da Starbucks é bem mais abrangente. Todo mundo vai à Starbucks.

Pergunta - Eles de fato oferecem uma alternativa à estupidez vigente nas paradas de sucesso, mas a maioria das produções da Starbucks Hear Music são coletâneas com gravações antigas, não?
Hancock -
Acho que o primeiro CD original que eles produziram foi "Genius Loves Company", do Ray Charles. O meu é um desdobramento disso.

Pergunta - Entendi. E, assim como o dele, o seu álbum conta com a participação de nomes da música pop, como Paul Simon, John Mayer, Sting e Christina Aguilera. O sr. diria que se trata de um disco de jazz?
Hancock -
Não. E nem era a minha intenção fazer um disco de jazz propriamente dito. Mas acho que o espírito predominante nas faixas do álbum conserva a essência do jazz, que é a da colaboração entre os músicos.

Pergunta - Quer dizer que o sr. fez isso para ampliar o seu público? O CD do Ray Charles vendeu cerca de 700 mil cópias na Starbucks.
Hancock -
Esse tipo de preocupação eu não tenho. Acho mais importante a pessoa saber avaliar a si mesma e não ficar na dependência do que os outros pensam dela. Sou adepto do budismo há 30 anos.

Pergunta - E como budista o sr. não acha que a Starbucks prejudica a nossa saúde fazendo a gente ingerir tanta cafeína?
Hancock -
O fato é que chá é tão prejudicial quanto café. Mas talvez seja melhor você não publicar essa história de que café faz mal. Não quero que o pessoal da Starbucks fique com raiva de mim.

Pergunta - Por que o receio de melindrar os executivos da Starbucks?
Hancock -
Acontece que eu sou parceiro da Starbucks nessa produção. Quando você assina um contrato com uma gravadora, o disco é dela. Você não tem acesso aos números, às vendas. Você nunca participa das reuniões, eles podem fazer o que bem entenderem.

Pergunta - O sr. é músico profissional desde os 11 anos de idade, quando seu talento para o piano clássico lhe permitiu tocar com a Orquestra Sinfônica de Chicago. De onde vem tanta disciplina?
Hancock -
Eu tenho um irmão mais velho. Quando ele tinha seis anos, eu tinha três. Minhas mãos eram menores que as dele. Eu era incapaz de lançar uma bola de beisebol, não conseguia fazer um arremesso, os amigos dele eram melhores do que eu em tudo. Quando fiz sete anos, meus pais arrumaram um piano e daí em diante não me interessei mais por esportes, com os quais sempre tive experiências negativas. Eu não saía de perto do piano, que era o lugar onde eu me sentia seguro.

Pergunta - Seus pais eram pessoas ligadas à música?
Hancock -
Não. Meu pai trabalhava na vigilância sanitária. O nome dele era Wayman Hancock. Passou a maior parte da vida inspecionando abatedouros para o governo.

Pergunta - Pena que ele não esteja mais aqui para nos ajudar com esses casos de vaca louca.
Hancock -
Pois é. Sabe que uma vez ele encontrou antraz numa vaca? Foi um escândalo. Disseram para ele que a cada 25 anos aparece uma vaca com antraz.

Pergunta - O que seus pais acharam quando o sr. desistiu de Mozart para tocar no grupo de Miles Davis?
Hancock -
Eles preferiam música clássica. Achavam jazz uma coisa medonha.

Pergunta - Por muitos e muitos anos o sr. foi o caçula do jazz, mas se não estou enganado todos os músicos que participam do disco novo são mais jovens que o sr.
Hancock -
Hoje em dia sou sempre o mais velho.

Pergunta - Mais velho que Paul Simon?
Hancock -
Conversei com ele sobre isso, mas não lembro a que conclusão chegamos.

Pergunta - Ninguém diz que o sr. está com 65.
Hancock -
É que eu tinjo o cabelo.

Pergunta - Sério? Mas não dá muito trabalho?
Hancock -
Preciso tingir a cada cinco ou seis semanas. Tem um cabeleireiro em Los Angeles que me atende em casa.

Pergunta - Já fez plástica?
Hancock -
Não. Só faço tratamentos indolores.


Tradução de Alexandre Hubner.


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