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Alexandre Schwartsman

Gol contra

Uma empresa aérea trata mal os clientes. Penso ser um tiro no pé, mas lembro da lição: sem concorrência, ela pode

A escolha natural para esta coluna seria alguma análise acerca de mais um "pibinho", mas vou tratar de um caso bastante específico hoje, muito por frustração pessoal, mas também porque acredito que o episódio em questão ajuda a ilustrar algumas das forças que contribuem para o baixo desempenho da economia brasileira.

Tendo passado o fim de semana em Londrina, me preparei para pegar o voo 1141 da Gol, cujo horário de saída era às 5h15, chegando a São Paulo às 6h20. As condições meteorológicas, porém, não permitiram o pouso do avião durante a madrugada, de modo que o voo para São Paulo foi cancelado.

Até aí, o caso ilustra apenas as conhecidas insuficiências de infraestrutura que permitem que uma cidade do porte de Londrina (cerca de 500 mil habitantes) não tenha os instrumentos requeridos para pouso com visibilidade limitada. Lamentável, mas óbvio.

O revelador, no caso, foi a atitude da empresa. Sabendo do cancelamento, não se preocupou em colocar mais funcionários para atender os passageiros, produzindo filas verdadeiramente épicas. Também em momento algum parece ter cogitado enviar outro aparelho (o aeroporto de Londrina já estava aberto pela manhã), permitindo a seus clientes voar a São Paulo, mesmo com atraso.

Com os demais voos tomados, a "escolha" oferecida aos passageiros era simples: ficar na cidade mais um dia e perder todos seus compromissos ou ser despachado de ônibus. Guardadas as devidas proporções, não é distinta, em natureza, da "escolha" que nos dá o salteador entre a bolsa e a vida.

Finalmente, muito embora o custo do transporte terrestre seja uma fração do aéreo, não apenas a empresa não ofereceu reembolso (nem total, nem parcial) como também recusou pedido a respeito, na prática lucrando com a perda dos clientes que, sem alternativa, tiveram de aceitar as quase sete horas de viagem até São Paulo.

Mesmo dormindo um pouco, sobrou assim tempo para refletir acerca do ocorrido, em particular como uma empresa pode abusar dessa forma da clientela. Parece um comportamento míope: há um lucro instantâneo, mas, olhando mais à frente, o risco de perda dos clientes em face da completa falta de respeito poderia levar a prejuízos mais relevantes, já que alguns clientes (eu, por exemplo) simplesmente abririam mão de voar pela Gol.

Foi aí me lembrei de uma lição básica: se o economista acredita ter achado uma irracionalidade no comportamento de uma empresa, muito provavelmente não entendeu a questão.

E a triste verdade é que a empresa não precisa se preocupar com a perda de clientes.

Ao contrário de outras, que atuam em segmentos extremamente competitivos, a Gol opera num ambiente de competição mínima, em que os incentivos para o bom tratamento do cliente são quase inexistentes.

Enquanto em setores competitivos as empresas são forçadas a inovar para lucrar, já que a concorrência força permanentemente as margens para baixo, nos demais observamos o oposto. Não por acaso, no segmento de transporte aéreo os abusos no atendimento são norma, não exceção.

Economias em que prevalecem setores pouco competitivos são caracterizadas pelo reduzido incentivo à inovação e aos ganhos de produtividade, resultando em baixo crescimento da capacidade de produção, ou seja, as tais limitações de oferta, visíveis nos números do "pibinho".

Com a desaceleração do crescimento da população em idade ativa e com a redução drástica do desemprego, resta apenas o aumento da produção por trabalhador para impulsionar o produto. O incentivo à competição deveria, pois, ser o elemento central de qualquer política que visasse acelerar o desenvolvimento do país.

Mas testemunhamos, em vez disso, iniciativas no sentido de fomentar "campeões nacionais", protegidos da concorrência. À luz dessas observações, é ainda possível se surpreender com nosso desempenho medíocre, ou a verdadeira surpresa é termos chegado tão longe?

www.maovisivel.blogspot.com

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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