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Opinião

Com a China, compromisso vale mais do que a letra do acordo

SÉRGIO AMARAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

A primeira vez em que fui à China foi em 1995, na comitiva do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Tive a sensação de estar em outro planeta. Ruas cinzentas, hordas de bicicletas. A incomunicabilidade da língua, uma disciplina social rigorosa para os nossos padrões.

Nos últimos dois anos, visitei várias vezes o país, como presidente do Conselho Empresarial Brasil-China. As cidades estão coloridas e exuberantes, avenidas impecavelmente pavimentadas, cheias de carros modernos.

E, sobretudo, um cenário familiar para nós, provenientes da sociedade de consumo: os mesmos produtos e as mesmas marcas. Deixando de lado a aparência, a distância cultural é grande.

Talvez não nos demos conta de que, pela primeira vez, temos um importante parceiro econômico que não partilha das mesmas referências étnicas, linguísticas, históricas, intelectuais ou artísticas do mundo greco-romano. As referências são outras, e nós não as conhecemos.

Eu nunca fiz negócios com a China. Mas nos últimos anos estive perto dos que fazem. O chinês é pragmático. Como dizia Deng Xiao Ping, não importa a cor do gato, desde que cace o rato.

É um mercador por natureza. É desconfiado e talvez tenha razão para ser, pois nossos mundos são diferentes. Demora para adquirir confiança, mas, depois que o faz, tudo fica mais fácil.

A sua noção de contrato é diferente da nossa. Marcos Caramuru, cônsul em Xangai e bom conhecedor das práticas comerciais na China, faz um comentário interessante.

Para nós, o contrato, dentro da tradição romana, fixa regras para durar no tempo. Na China, se as circunstâncias do negócio mudam, é legítimo alterar o contrato. O compromisso vale mais do que a letra do acordo.

O governo tem um papel relevante, mesmo nos negócios privados. Quem investe num setor prioritário para o desenvolvimento terá boas chances de ser bem acolhido.

Quem tem um bom parceiro chinês -um prefeito ou outro agente público- tenderá a encontrar portas abertas.

Muitas vezes nos queixamos dos chineses antes de ter negociado. Como bons e habilidosos negociadores, é isso que eles estão esperando.

Num encontro empresarial em Xangai, fiz um amigo chinês. Descobrimos que havíamos cursado pós-graduação na mesma universidade francesa. Isso já criou uma certa cumplicidade entre nós.

Sua trajetória empresarial é surpreendente. Em pouco mais de dez anos, saltou dos enfeites de Natal para os shopping centers e depois para a construção naval.

Um crescimento vertiginoso, em parte porque até pouco tempo a empresa chinesa nascia internacional, dado o pequeno mercado interno.

Visitou-me umas sete ou oito vezes na firma de advocacia à qual estou associado e que tem um escritório em Xangai. Cada vez era um projeto diferente, todos na casa dos bilhões de dólares.

Tivemos longas conversas. Até hoje, nenhum contrato. Mas continuamos tentando, pois deitar raízes num mercado potencial de 1,4 bilhão de consumidores "vaut le voyage" (vale a viagem), como diria o "Guia Michelin".

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