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Roberto Rodrigues

Sentinelas

O bravo exército de adidos agrícolas, sentinela na defesa de nosso setor rural, já mostrou que tem valor

Em 1965, o cineasta italiano Mario Monicelli produziu um filme chamado "O Incrível Exército de Brancaleone". A história é uma crítica a líderes que lutam incessantemente por uma causa, mas não têm sucesso em suas investidas.

Brancaleone, quixotesco cavaleiro errante e nobre decadente, lidera um punhado de aldeões que encontraram um pergaminho que lhes garante a posse de um reino. A história se passa na Idade Média, e Brancaleone pretende fazer um exército com aquele grupo desorganizado para assumir o reino, Aurocastro.

Cheios de boas intenções, eles vivem aventuras diversas, fiéis a seus valores, sem perder o humor e a ironia. E, sobretudo, sabem que, em muitas situações, mais importante do que vencer é não desistir, jamais.

Mas, no final, Brancaleone teve sua recompensa, ainda que por vias tortas. Em síntese, o filme mostra que grupos heroicos e bizarros fazem a diferença, mesmo nas guerras mais duras.

Um ano e meio depois de começarem suas atividades no exterior, os oito adidos agrícolas brasileiros foram convocados pela Secretaria de Relações Internacionais do Mapa para uma avaliação de resultados.

Todos eles são técnicos muito competentes e foram selecionados através de dificílimo conjunto de provas.

Uma das grandes e velhas falhas do agronegócio brasileiro era exatamente não se comunicar eficientemente com os principais mercados externos do setor. Enquanto os países concorrentes já têm adidos agrícolas há muitos anos, o Brasil não avançava nesse segmento e, depois de amplo entendimento entre o Ministério da Agricultura e o Itamaraty, o governo decidiu fazer um ensaio criando oito vagas de adidos lotados em embaixadas brasileiras em Washington, Moscou, Pequim, Tóquio, Buenos Aires, Pretória e nas missões da UE em Bruxelas e da OMC em Genebra.

Uma de suas tarefas mais relevantes é exatamente mostrar a verdade sobre o setor rural brasileiro. Parece fácil, mas não é: a disputa por mercados é feroz, e o Brasil vem avançando nisso graças à alta competitividade dos nossos produtores. Esse avanço afasta concorrentes que, evidentemente, não ficam felizes, e passam a criar todo tipo de argumento para impedir que conquistemos mais espaço.

Tal pressão resulta até mesmo em barreiras não tarifárias para impedir nosso acesso a mercados, como os temas da "devastação florestal", "trabalho escravo", rastreabilidade e uma série de outros que exigem muito trabalho de esclarecimento, inclusive assumindo erros e apontando culpados, se e onde houver.

Trata-se, enfim, de reconstruir a imagem real de um setor eficiente e que, por isso mesmo, é atacado de toda forma. Pois bem, os resultados nesse campo já são visíveis: os adidos agrícolas ganharam a confiança do setor privado nos países onde atuam e se transformaram em fonte privilegiada de consulta para os agentes de mercado.

Da mesma forma, e agora com o apoio dos embaixadores que reconheceram o valor da atividade, eles se tornaram uma referência para o estabelecimento de novos acordos comerciais setoriais que começam a ser negociados.

Por outro lado, sua presença naqueles países (ou nas grandes organizações multilaterais) os transformam em "antenas" sobre o que há de melhor para ser aproveitado aqui, ou, ainda mais relevante, para identificar movimentos negativos contra o agronegócio brasileiro que podem ser enfrentados mais competentemente pelo governo.

Esse pequeno e bravo exército de Brancaleone, sentinela avançada na defesa de nosso setor rural, já mostrou que tem valor, e que outros países precisam ter adidos agrícolas. Os países árabes vêm se convertendo em grandes mercados, assim como países asiáticos, como a Índia, a Coreia e a Tailândia. E também americanos, como o México, com numerosa população de crescente poder de consumo.

O exemplo dessa diminuta equipe deve ser repetido nesses outros países e instituições, em benefício do Brasil, com acesso a mais mercados: o nosso Aurocastro.

ROBERTO RODRIGUES, 69, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 14 dias, nesta coluna.

rr.ceres@uol.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Marcelo Neri

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