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Entrevista Rogério Vivaldi

É preciso pesquisa para ter inovação, e o Brasil é lento

Brasileiro que preside divisão de doenças raras de gigante de biotecnologia critica burocracia do país para aprovar projetos

NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA

Há um ano, o médico carioca Rogério Vivaldi foi chamado para presidir a divisão de doenças raras ou órfãs da Genzyme, terceira maior empresa de biotecnologia do mundo -então recém-comprada pelo grupo francês Sanofi, por US$ 20,1 bilhões.

"Toda a minha formação e a minha vida foram no Brasil", diz, com orgulho, antes de passar a listar todos os entraves que vê para que inovação e pesquisa deixem de ser retórica vazia no país.

Fala a partir da experiência da Genzyme, sediada em Cambridge, Massachusetts, e nascida há três décadas das universidades Harvard e MIT.

Leia entrevista à Folha.

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Folha - Você diria que o sistema funciona de tal forma, nos Estados Unidos, que os professores são estimulados à pesquisa aplicada?

Rogério Vivaldi - Aqui é muito simples: médicos, nas grandes universidades, só são promovidos se publicam. Você pode dizer que acabam publicando demais, mas a disciplina é que eles não param, absolutamente não.

Serve como modelo?

É uma coisa que deveria haver no Brasil. Mas, para entrar em pesquisa no Brasil, acho que podíamos aproveitar muito mais. O governo está pelo menos mais ciente, agora. Mas a Ucrânia faz mais pesquisa, isso é ridículo.

Você poderia detalhar?

Primeiro, nosso sistema regulatório não é simples. É o último país do mundo a aprovar pesquisa. Você pode dizer, "Ah, então é mais criterioso". Eu não sei. O Brasil é mais lento. Numa pesquisa multicêntrica, se tenho 12 meses para inscrever os pacientes e um país aprova a pesquisa em um mês, aquele país tem mais 11 meses para conseguir pacientes.

Se o Brasil leva 11 meses para aprovar, ou fica fora ou vai ter menos tempo. Quem perde? A ciência perde, porque deixa de receber os recursos. Não são pesquisas baratas. Na minha área, de doenças raras, são caríssimas. O preço do desenvolvimento de uma nova molécula é em torno de US$ 1 bilhão.

E quanto aos pacientes?

No Brasil se dizia, antigamente, "Ah, vão ser cobaias". Isso é uma tolice absurda. Não existe lugar mais seguro para testar do que numa pesquisa clínica toda regulada. Você tem mecanismos para averiguar riscos, vários degraus de segurança.

Você fala de inovação. Inovação tem de ter pesquisa. E aí o Brasil está lento.

O que leva a ser o último a aprovar?

Você tem que ter aprovação da Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa] e da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária].

Elas não são nem em sequência nem em paralelo. Agora está se discutindo que, na realidade, os hospitais deveriam ter mais autonomia. Coisa que acontece no mundo inteiro.

Mas estamos na discussão, enquanto outros estão investindo para ganhar essas pesquisas multicêntricas. A concorrência está braba.

A burocracia é grande, mas as próprias empresas não investem em inovação. O que pode ser feito para mudar essa mentalidade?

Tem de haver amparo regulatório. Por exemplo, antes da lei das drogas órfãs nos Estados Unidos, o incentivo para investir em doenças raras [como Gaucher e Fabry] era muito pequeno. Depois, aconteceu uma alavancagem enorme de pesquisa. Por que o empresário vai investir? Tem de ter algum benefício concreto.

É duro, pois um governante investe quatro anos e o retorno virá depois, no próximo mandato, que pode não ser dele. Mas você tem de criar mecanismos de longo prazo.

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