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Entrevista - Douglas Holmes

"Bancos centrais precisam saber comunicar incerteza"

Para antropólogo que estudou BCs, instituições se tornaram mais claras após a crise global, e peso do que dizem cresceu

LUCIANA COELHO EDITORA-ADJUNTA DE "MERCADO"

O antropólogo americano Douglas Holmes passou os últimos anos estudando a forma pela qual os bancos centrais pelo mundo se comunicam com o público em geral.

Concluiu que ela evoluiu tremendamente desde que estourou a crise econômica global, em setembro de 2008, passando a adotar a forma narrativa em lugar das bulas técnicas. Ou seja: clareza se tornou uma ambição central.

A essa "ativo", ele deu o nome de "moeda do público" --algo tão importante para moldar os rumos econômicos de um país quanto, por exemplo, a política monetária.

Afinal, diz Holmes, por meio dela é possível recrutar a população para alcançar os objetivos da política monetária, como preços estáveis e confiança na moeda local.

O resultado do estudo está em "Economy of Words: Communicative Imperatives in Central Banks" (Economia de palavras, imperativos de comunicação nos banco centrais, que a Chicago University Press lança em novembro).

Holmes conversou com a Folha por telefone sobre a linguagem das autoridades monetárias, a mensagem do Federal Reserve (o BC dos EUA) sobre estímulos econômicos, que alvoroça o mercado, o BC brasileiro e a importância da confiança do público. Eis os principais trechos:

Folha - Qual o peso da comunicação dos bancos centrais?
Douglas Holmes - As coisas mudaram completamente desde 2008. Durante a crise começamos a ver como toda a questão do recuo da economia passou, em termos de comunicação, a ser apresentada como uma narrativa, como uma história. Veja, na Europa e nos EUA, a taxa de juros continua a mesma, perto de zero, mas essa narrativa evoluiu, está cada vez mais elaborada.

Quanto dessa narrativa chega ao público? Ela melhora ou piora a confiança dos consumidores, por exemplo? Ou é necessário haver resultados?
De certa forma, confiança é algo movido pelos números. Mas acho que mesmo antes de os números indicarem melhora, a confiança é alimentada pela narrativa.

No seu estudo, o sr. cita Janet Yellen algumas vezes. Hoje ela é a sucessora mais provável de Ben Bernanke à frente do Federal Reserve. Yellen mudaria alguma coisa nas comunicações do BC americano?
Acho que não. Ela é muito próxima a Bernanke, e ela é responsável pelas mudanças de comunicação que ele tem implementado, embora pouco apareça. Os dois têm estilos diferentes, mas afora a personalidade em si, acho que não haveria grandes mudanças. Ela é rápida para adaptar a mensagem.

Como o sr. avalia a performance de Bernanke? Ele tem sido culpado por alguns analistas de causar convulsões no mercado com a forma como transmitiu a mensagem de que o Fed começará a retirar seus estímulos à economia.
Isso faz parte do aprendizado de como falar com os mercados. Acho que ele está tentando ser o mais franco que consegue, mas sempre há possibilidade de um participante do mercado interpretar errado o que ele diz. Isso não dá para evitar. Mas acho que o estado da economia nos EUA é incerto, e parte do que deve ser comunicado é justamente essa franqueza sobre a incerteza, e é isso que ele está tentando fazer.

No Brasil, a mensagem sobre política monetária tem sido clara, com movimentos dentro do previsto. Parte das informações sobre as condições da economia, porém, é vista com ceticismo por alguns analistas e participantes do mercado. Quão importante é ser claro sobre todas as condições da economia, e não só sobre a política monetária?
Esse é o segundo passo. Há uma questão central sobre se é possível acreditar em dados, por exemplo, vindos da China. Às vezes eles não são tão precisos. Sei que o Brasil tem um excelente Banco Central em termos de comunicação, inclusive o Bernanke olhou para isso. Mas a dinâmica de uma economia emergente como o Brasil é difícil mesmo de medir e interpretar.
Eu toquei nesse tema no estudo ao falar do Banco da Inglaterra, onde em vez de contarem apenas com estatísticas, eles têm outras fontes de análise, como encontros regulares com pessoas. Isso pode ser algo a se pensar no Brasil, para checar de como as coisas estão evoluindo no dia a dia, de preços etc. E franqueza é importante.

De forma geral, quais são os bons exemplos e quais os erros que os bancos centrais e os responsáveis pela política econômica podem cometer ao passar sua mensagem?
No Reino Unido teve a questão do colapso do banco Northern Rock, e isso foi algo que ocorreu na maioria dos países. Seria bom que os responsáveis pela política econômica revisassem a forma como se comportaram [durante o estouro da crise econômica] há cinco anos. Tenho certeza que Bernanke e o então secretário do Tesouro Henry Paulson teriam muito a dizer sobre como eles trataram do colapso dos bancos e seguradores. E acho que estamos começando a tratar isso. No colapso do Northern Rock, por exemplo, não houve nenhuma comunicação.
Não só dos governos. As agências de avaliação de risco também se calaram.
Esse é sempre o problema: se você vai evitar colocar os mercados em pânico ou se vai ser franco. Acho que hoje eles são muito mais francos do que eram há cinco anos, e imagino que se tudo acontecesse de novo, haveria maior transparência sobre os riscos de contaminação de todo o sistema. O público também aprendeu muito, está mais informado sobre esse processo. Acho que a recepção da mensagem mudou. Apesar das fraquezas, melhoramos.

O público se interessa pela mensagem dos BCs ou pesa mais o que dizem os presidentes e premiês? O quanto disso chega de fato ao mundo real?
Quando eu estava na Nova Zelândia e tinha uma hipoteca sujeita à política monetária, eu estava muito interessado em ouvir o que o BC dizia, e muita gente estava.
Uma aluna na Universidade de Chicago também contou que, quando trabalhava em uma zona rural remota em Iowa --que pode se parecer com uma zona rural remota no Brasil ou na Nova Zelândia--, as pessoas não tinham nenhum apreço especial por finanças, mas ela se deparou algumas vezes com gente nas mesas de bar discutindo apaixonadamente coisas sobre o Banco Central Europeu [e a crise na europa]. As pessoas sabiam quem era [o então presidente da entidade] Jean-Paul Trichet. Os bancos centrais têm papel central na economia contemporânea, e as pessoas reconhecem isso. Não é mais como nos anos 90.

Foi a crise?
A crise teve papel fundamental. As questões discutidas começaram a ser coisas próximas a elas. Era uma crise da economia real, não sobre metas de inflação, havia risco de desemprego. A história deixou de ser sobre política monetária e passou a ser sobre questões amplas, que afetam o dia a dia.

Como o sr. avalia o papel da mídia e a profusão de experts?
Não leio tanto o "Wall Street Journal", sou um leitor do "Financial Times". Eles fizeram um esforço heroico para evoluir em seu jornalismo, e é interessante analisar como mudaram a forma de contar algumas histórias, de reparando seus erros. Eu, felizmente, tenho tempo para pensar sobre as coisas que escrevo, não tenho que fazer jornalismo diário, e acompanhei os bancos centrais e como raramente se tem certeza imediata sobre a situação, sobretudo no Banco Central Europeu. Fazer reportagens sobre isso em um ou dois dias... E as notícias ficaram mais complexas, a questão ficou mais sensível e mais gente estava prestando atenção ao que os jornalistas diziam, além do jornalismo online cada vez mais sofisticado.

Há uma tendência de empresas e governos buscarem mais comunicação direta com o público. Isso é mais efetivo?
Houve uma revolução das comunicações dos bancos centrais nos últimos cinco anos, mas em que grau isso é um modelo para a comunicação do governo em geral é algo em que se pensar.
Veja a questão do fumo nos EUA e na Europa, como mudou a forma de comunicação dos governos com o público, para mobilizar as pessoas. Isso é fantástico. Os governos têm sido muito francos a respeito, e buscaram as melhores pesquisas, os melhores dados científicos, informações de credibilidade. Isso transformou o modo de pensar de uma sociedade.
Se uma mudança cultural desse porte foi possível, foi por causa da comunicação.
Acho, sim, que algo está acontecendo, e que esse tipo de comunicação funciona em algumas áreas. E funciona especialmente bem se o público pode ser convocado para assumir um protagonismo, por exemplo, na questão da inflação. Por outro lado, há áreas nas quais as decisões políticas são muito ambíguas, e aí então é mais difícil buscar essa comunicação direta.


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