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Entrevista - Kenneth Rogoff

Brasil está vulnerável à desaceleração chinesa e ao fim do estímulo nos EUA

Para professor de Harvard, país não fez as reformas e vai enfrentar um longo período de baixo crescimento

RAQUEL LANDIM DE SÃO PAULO

Kenneth Rogoff, professor da Universidade de Harvard, está preocupado com a situação dos países emergentes, principalmente o Brasil.

"As reformas pararam ou andaram para trás. Isso fez o Brasil mais vulnerável ao fim da expansão monetária nos EUA e à desaceleração na China", disse à Folha.

Ele não acredita em "quebra" dos mercados emergentes, mas prevê um longo período de crescimento baixo, o que vai dificultar a solução dos problemas sociais.

Rogoff, que já foi economista-chefe do FMI, concorda com a decisão do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) de não interromper agora a política de despejar US$ 85 bilhões mensais no mercado.

O economista está um pouco mais otimista com a Europa, que teria encontrado uma maneira de reduzir a dívida dos países da periferia do euro "por baixo da mesa". A seguir, trechos da entrevista.

Folha - O Fed surpreendeu e manteve a política de injetar recursos para aquecer a economia americana. Na sua opinião, está correto?
Kenneth Rogoff - Fiquei feliz em vê-los aguardar um pouco. A inflação está baixa e o próprio Fed reduziu suas expectativas para o crescimento. É muito difícil ver motivo para apertar a política monetária.

Quando o Fed vai começar a reduzir os estímulos?
As compras de títulos serão reduzidas neste ano, mas não acredito que o Fed vai elevar as taxas de juros no curto prazo.

Os mercados estão exagerando o impacto da inevitável redução dos estímulos monetários nos EUA?
Sim. As taxas de juros americanas subiram porque o crescimento global estabilizou, especialmente na Europa. A Europa não cresce forte, mas as pessoas estão menos receosas de que a economia europeia se desintegre. O mercado põe a culpa de tudo na expansão monetária.

As moedas dos países emergentes vinham se desvalorizando, mas inverteram o sinal depois do Fed. Qual é a tendência do câmbio?
Ainda não é possível ver uma tendência clara. Mas a desvalorização não era só por causa do fim da expansão monetária nos EUA. É também porque o crescimento da China desacelerou e porque alguns mercados, particularmente o Brasil e a Índia, não fizeram as reformas necessárias durante o período de rápido crescimento.
Gostaria de chamar atenção para um ponto: a China não quebrou e nem houve um forte aumento de juros nos EUA. Mesmo assim, o Brasil e a Índia se machucaram, com queda no preço das ações e desvalorização do câmbio. Certamente isso é muito preocupante.

Os mercados emergentes estão frágeis?
É um problema crônico de fluxo de capitais. Quando o capital chega, o mercado exagera o quanto a economia está indo bem e, quando sai, exagera o quanto vai mal.
Isso não é regra para todos os emergentes. Os que mais sofrem são aqueles que têm déficit em conta corrente, ou seja, precisam pegar dinheiro emprestado para se financiar, e aqueles que pararam suas reformas.
É desses países que os investidores vão tirar seu dinheiro mais rápido.

É o caso do Brasil?
Sim. As reformas pararam ou estão andando para trás. Isso tornou o Brasil mais vulnerável ao fim da expansão monetária nos EUA e à desaceleração da China.
No curto prazo, não acredito em quebra no Brasil ou na Índia. Esses países têm câmbio flexível e grandes reservas internacionais.
Estou mais preocupado com um longo período de crescimento baixo, o que não é nada saudável. Com baixo crescimento, o Brasil não vai conseguir continuar resolvendo seus problemas.

O fraco crescimento do Brasil e da Índia pode prejudicar a recuperação global?
Se forem só os dois, não. É claro que um problema no Brasil pode impactar a América Latina. Mas não é a mesma coisa que a Europa, que é um terço da economia mundial, quebrar. Brasil e Índia são proporcionalmente menores. Mas é difícil prever a psicologia do mercado.

A economia americana está se recuperando em um ritmo adequado?
Gostaríamos que os EUA crescessem mais rápido. A política monetária fez um bom trabalho, mas a política fiscal foi menos estável.
O governo deveria ter investido mais em infraestrutura e ter um plano para reduzir o déficit no longo prazo. Mas não fez nada disso.
A política fiscal tem sido ineficiente e, ainda assim, os EUA mostram uma resiliência impressionante. Se fossem feitas as reformas fiscais, avançaríamos 4% ou até 5%.
Mas 5% de crescimento é muito alto em uma economia madura como a dos EUA.
Não seria uma tendência, mas algo pontual. Com uma taxa de desemprego tão alta, é possível alcançar crescimentos acima da média por alguns trimestres ou até no ano. Nossa recuperação tem sido muito lenta.

Como o senhor vê a situação da Europa?
A boa notícia é que os europeus parecem ter entrado em um acordo para reduzir as dívidas dos países da periferia do euro. É um passo vital, porque essas dívidas nunca serão pagas.
É algo difícil politicamente na Alemanha ou na Holanda, mas eles parecem ter encontrado uma maneira de fazer isso silenciosamente e por baixo da mesa.
O que preocupa é que precisam se mover radicalmente para a construção de instituições europeias com poder econômico e legitimidade política. O euro vai ficar instável até isso ser feito. E infelizmente o movimento nessa direção é muito lento.

O que significa reduzir a dívida por baixo da mesa?
Eles vão encontrar maneiras de aumentar os prazos e reduzir os juros das dívidas de Irlanda, Portugal e Grécia, aliando um pouco a pressão. É o mesmo que reduzir o valor da dívida. Ainda não estão fazendo isso, mas há um consenso nessa direção.

O senhor e Carmen Reinhart (professora de Harvard) foram muito criticados por um erro num artigo acadêmico que dizia que dívidas elevadas reduzem o crescimento dos países. Essa conclusão é válida?
Foi um erro pequeno, corrigido na sequência. Depois foram publicados dezenas de artigos dizendo a mesma coisa. E há décadas de trabalho antes de nós.
Fizeram um uso completamente político [do erro]. Nosso trabalho provou ser extremamente robusto. Alta dívida prejudica o crescimento. Qualquer um que vive num país altamente endividado entende isso.

Cinco anos após o Lehman Brothers, qual é a maior lição desse período para a história?
Governo, reguladores e políticos têm que ser cuidadosos quando existe muito crédito e um boom de ativos baseados em pesadas dívidas.
Não podem dizer a si mesmos que dessa vez será diferente. Precisam reagir.
Essa é a história de um grande fracasso regulatório e político, mais do que de um fracasso do sistema bancário.
Políticos e reguladores deveriam ter intervindo muito antes, mas estavam conseguindo muitas doações [de campanha] e estavam convencidos de que faziam um bom trabalho.
Infelizmente esse é um aspecto da natureza humana que não muda.


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