Julio Vasconcellos

O segredo dos planos perfeitos

É mais relevante elaborar um plano enxuto, que traga as premissas e as linhas gerais do que se quer fazer

Uma antiga fábula relata a história de um viajante que, ao passar por um vilarejo, ficou tão impressionado com a pontaria dos habitantes da localidade que decidiu parar para estudar a fantástica técnica por eles empregada.

Os buracos de bala dos tiros desferidos contra os alvos construídos na entrada da cidade estavam todos, sem exceção, milimetricamente alinhados com o centro dos círculos. Em pouco tempo descobriu-se o segredo daquela precisão impecável: os habitantes locais primeiro atiravam contra a madeira para, na sequência, desenhar o alvo no entorno.

Costumo lembrar dessa fábula quando perguntado a respeito de planos de negócios para "start-ups" na internet. Com frequência, percebo que se aloca muito tempo para planejar de maneira excessivamente minuciosa algo altamente incerto e sujeito a mudanças bruscas em decorrência da interação com os usuários finais. A única maneira de aqueles planos terem a precisão a que se propõem seria por meio da técnica dos "atiradores infalíveis": se fossem escritos a posteriori, depois que o negócio já estivesse em funcionamento há algum tempo.

Para esse tipo de empresa ou linha de negócios é mais relevante elaborar um plano enxuto, que traga as premissas e as linhas gerais do que se pretende fazer, e alocar mais tempo na construção de protótipos que possam ser testados de imediato. Na interação com os usuários finais, e mesmo ao testar os produtos internamente, é que as ideias são verdadeiramente buriladas e aprimoradas.

Muitas vezes a ideia é interessante e as pesquisas de mercado endossam a viabilidade do conceito por conta da manifestação de um suposto interesse do consumidor final. No entanto, ao interagir com o produto pronto, o usuário final acaba simplesmente não se engajando. Nesse meio tempo, foram desperdiçados inúmeros recursos na construção de algo que poderia ter sido ajustado ou mesmo abandonado em tempo hábil caso a ideia tivesse sido devidamente "prototipada".

No mundo de desenvolvimento de software, essa metodologia já está estabelecida enquanto método de trabalho de alguns grupos, principalmente aqueles organizados em torno do software livre. Máximas como "release early and often" já estão consolidadas quase que como mantras dessas equipes. Ao examinar o desenvolvimento do Kernel do Linux, Eric Raymond escreveu um instigante ensaio com o título de "A catedral e o bazar", contrastando as abordagens de desenvolvimento "top-down" e "bottom up" assim como os softwares proprietários versus softwares livres.

Embora não concorde com todas as ideias defendidas naquele ensaio, entendo que muitas, desde que devidamente adaptadas, devem sair apenas do campo de desenvolvimento de software e passar a fazer parte da cultura de gestão empresarial e do processo de planejamento do modelo de negócios das "start-ups". Os ganhos em termos de eficiência e de modelo de organização seriam significativos.

A menção a organização e eficiência merece ser enfatizada. Por vezes, quando defendo essas ideias, alguns interpretam a questão como se o proposto fosse a ausência de planos ou princípios norteadores. Esse modelo de testar rapidamente os conceitos e planos só funciona se for conduzido dentro de uma moldura adequada.

É preciso que esteja claro qual é o critério para aceitar ou rejeitar uma ideia e também como serão os ciclos de aprimoramento do produto e da estratégia da empresa. Em outras palavras, é preciso que os testes sejam devidamente monitorados e que os resultados sejam bem aproveitados.

Retomando a fábula, não faz sentido desenhar o alvo em volta do tiro dado, mas também não faz sentido atirar sem que haja um alvo minimamente definido para auferir a precisão da pontaria.