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Samuel Pessôa

Revolução Industrial segundo Belluzzo

Sempre que se depara com quem pensa diferente, sua reação é presumir a ignorância do interlocutor

Meu patrício de fé futebolística e colega, professor Luiz Belluzzo, tem um hábito peculiar que presencio desde os tempos em que eu era professor de matemática do Departamento de Economia da Unicamp, do qual ele é professor titular.

Sempre que se depara com alguém que pensa diferente, sua reação é presumir a ignorância do interlocutor, o que resulta em longas exposições por parte do professor, que procura desqualificar a divergência recorrendo à erudição ligeira.

No caso do seu artigo no "Valor" de terça, sobre minha coluna de domingo passado, Belluzzo criticou minha afirmação de que a indústria de transformação não tem necessariamente papel de liderança no processo de desenvolvimento, não existindo evidência empírica de que seja especial sob algum critério.

O contexto, fartamente evidenciado no meu texto, eram o desafio do crescimento dos países latino-americanos e as prescrições da Cepal. Mas o professor preferiu confrontar minhas ideias com uma longa exposição sobre a história econômica da Europa do século 18 ao 19 e a Revolução Industrial, com floreios de citações literárias.

A Revolução Industrial é importantíssima, e compreendê-la ajuda, sem dúvida, a deslindar aspectos relevantes do fenômeno do desenvolvimento econômico acelerado. Mas, como acontece com eventos históricos dessa magnitude, o que não falta é diversidade de interpretações, enfoques e ênfases.

Uma leitura à esquerda --que, penso, Belluzzo abraçaria-- das origens da Revolução Industrial poderia enfatizar a relevância da consolidação dos Estados nacionais absolutistas em seguida à paz de Vestfália e a sua capacidade de carrearem o excedente econômico do Novo Mundo, que seria a principal fonte de acumulação primitiva a financiar a acumulação de capital nos países centrais.

Já a minha interpretação atribuiria mais importância ao lento processo de construção institucional de uma economia de livre mercado, que tem, como o seu principal marco, a Revolução Gloriosa, com a retirada do poder discricionário do rei de tributar e de gerir a dívida pública, entre tantos outros momentos relevantes, cujo resultado mais visível é a Revolução Industrial.

Mas discutir a centralidade da indústria no Brasil de hoje é, em essência, avaliar os supostos benefícios de políticas públicas que subsidiam pesadamente o investimento, privilegiando setores industriais e que colocam em risco um exitoso regime de política macroeconômica.

Do ponto de vista da relevância para esse debate sobre as opções atuais do Brasil e dos demais "países de desenvolvimento tardio", talvez fosse mais útil Belluzzo comentar, como paralelo à experiência latino-americana, o desenvolvimento econômico da Coreia e do Japão.

Nesse caso, ele poderia enfatizar a capacidade do Estado naqueles países orientais de planejar e carrear poupança para os setores dinâmicos, defendendo o parque produtivo local com uma economia muito fechada, apesar do estímulo às exportações. Poderia defender também a política de promoção de grandes conglomerados econômicos, como no caso dos Chaebols na Coreia do Sul ou dos Zeibatsu no Japão.

Do outro lado do debate, enfatizaria a capacidade dessas economias de construir os melhores sistemas educacionais, incentivando taxas de poupança elevadíssimas, praticando uma política macroeconômica conservadora e constituindo um Estado enxuto com baixa carga tributária e muito eficiente na oferta de serviços públicos em geral.

Uma crítica usual é que os meus fatores não causaram o crescimento dos países asiáticos; ao contrário, foram suas consequências. Esse é o debate substantivo.

Em seu artigo, o professor também critica os pesquisadores que insistem em utilizar dados em seus argumentos, demonstrando certa alergia ao penoso labor de quem busca embasar quantitativamente suas afirmações. O professor escanteia a estatística e ironiza aqueles que desejam construir "série temporal que colhe informações desde o neolítico até as primeiras décadas do século 19".

Infelizmente para os que preferem o argumento de autoridade ao debate substanciado em dados, é exatamente isso que os historiadores econômicos têm feito, como Ian Morris, em sua narrativa da história do Ocidente e Oriente no volume "Why the West Rules--For Now: The Patterns of History, and What They Reveal about the Future".

Morris utiliza fartamente um indicador do grau de desenvolvimento social das duas civilizações nos últimos 15 mil anos. Consegue definir com relativa precisão o momento em que, em razão da Revolução Industrial, o Ocidente ultrapassa o Oriente em desenvolvimento social.

Na próxima semana retomo o fio da meada da coluna anterior. Todos estão convidados. Melhor será com menos autoridade e mais argumentos.

Na quinta-feira passada morreu minha amiga e excelente economista Maria Carolina Leme Malaga. Carolina, além da inteligência, caracterizava-se pela assertividade. Era impossível enrolar Carolina. Para nós, que convivíamos com ela, era obrigatório pensar mais e melhor. Fará muita falta.


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