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Entrevista François Chesnais

Livro de economista francês é bem-vindo, mas tem limites

Para professor, proposta de imposto global sobre a riqueza é inviável e lista de problemas do capitalismo atual é muito mais ampla

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

Thomas Piketty deve ser elogiado por ter apontado a desigualdade crescente, mas seu livro "Capital no Século 21" contém limites analíticos.

Suas deficiências aparecem nas conclusões e nas recomendações políticas. A proposta de um imposto mundial sobre a riqueza é totalmente inviável.

A opinião é do também economista francês François Chesnais, 80, professor emérito da Universidade de Paris 13. Para ele, um marxista, a lista de problemas do capitalismo é muito mais abrangente e inclui queda na taxa de lucro global, crescimento da concentração industrial e avanço no grau de monopolização. Leia a entrevista.

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Folha - O livro "Capital no Século 21" está tendo um grande impacto e sofre ataques. Erros foram apontados. Esses ataques se justificam?

François Chesnais - O que Thomas Piketty fez no livro foi basicamente colocar novos dados numa série histórica maior dando apoio à posição estabelecida por Joseph Stiglitz no seu livro "The Price of Inequality" [o preço da desigualdade], de 2012. Como Paul Mason apontou em artigo no "Guardian", o ataque do "Financial Times" ao livro de Piketty, além de ser uma defesa descarada dos muito ricos, é baseado principalmente em argumentos relacionados ao Reino Unido, onde os números apenas refletem o baixo nível de taxação e a escassez de estatísticas fiscais. Os números oficiais dos EUA também têm lacunas, e a grande maioria de seus economistas está grata a Piketty e a seus colegas por ter coletado e harmonizado dados de diferentes fontes. As informações básicas que levaram ao slogan central do movimento Occupy Wall Street --"Nós somos os 99%"-- já tinham sido sintetizadas por Stiglitz. As altas vendas do livro de Piketty são a expressão do fato de que as ideias do Occupy continuam vivas, mesmo que o movimento tenha se tornado "underground".

A direita diz que Piketty é marxista; já a esquerda refuta essa ideia, apontado falhas na análise. Qual sua visão?

Eu o considero bem-vindo, como um retorno à economia política de forma distinta da economia.

Seus consideráveis limites analíticos e suas deficiências aparecem nas conclusões e nas recomendações políticas. Piketty enxerga a alta desigualdade e a riqueza como os principais obstáculos para o crescimento e, assim, como o maior problema para o capitalismo. Assim, ele vê a taxação da renda e da riqueza como a principal solução, culminando com a proposta totalmente inviável de um imposto global sobre a riqueza. Porém, a lista de problemas-chave enfrentados pelo capitalismo é maior.

O que essa lista inclui?

Inclui a queda na taxa de lucro global, o crescimento da concentração industrial (as enormes fusões e aquisições observadas hoje) e o avanço no grau de monopolização. Há queda da taxa de formação de capital, ausência de inovações tecnológicas que requerem novos grandes investimentos e despesas com salários, contínua ênfase em indústrias que deram tudo que podiam dar em termos de crescimento e têm efeitos bumerangues contrários (a dependência nos automóveis é a primeira da lista).

É por causa dos obstáculos enfrentados pelo capitalismo e da escassez de lucros decorrentes da produção que tanto dinheiro vai para o setor imobiliário --com as bolhas de imóveis-- e uma grande quantidade é destinada à especulação financeira através da negociação de papéis sobre a produção atual e futura. Trata-se do capital fictício. Não acrescenta nada ao estoque de investimento nem serve de apoio ao crescimento.

O livro de Piketty provocou o debate sobre a desigualdade gerada pelo capitalismo e sua ameaça à democracia. O capitalismo é sobre desigualdade e risco à democracia?

Tudo depende do que se entende por democracia. A democracia tem sido, com exceção de períodos transitórios relativamente curtos --como os anos 1930 em alguns países e em outros mais logo após a Segunda Guerra--, muito formal, antes de ficar, sob o capitalismo financeiro ou neoliberalismo, quase uma pura fachada. As instituições do Estado de bem-estar e os direitos irrestritos de sindicalização, greve e atividade política têm representado o único genuíno conteúdo da democracia. Eles sempre têm sido o resultado da ação social e política das massas fora de Parlamentos. Sua ausência caracteriza o regime chinês. Mas eles têm sido sistematicamente derrubados em todo o lugar no mundo onde existam em algum nível. De país a país, trabalhadores têm tido capacidades muito desiguais em defendê-los de forma efetiva.


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