Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Vinicius Torres Freire
Mea culpa, ainda que tardinho
Gente do governo admite anonimamente erros na economia. Sinal de mudança ou de urna à vista?
POR TRÁS DOS PANOS, o governo diz a empresários e políticos aliados que reconhece erros de política econômica. É o relato extensivo de reportagem de ontem desta Folha e é o que tem pingado em entrevistas também anônimas de gente do governo para outros jornais.
"Errei, sim, manchei o meu nome", "devo, não nego", vou mudar, "não me deixem só" em palanques e sem dinheiro para a campanha, parecem dizer assessores de Dilma Rousseff.
Em certa medida, trata-se de um reconhecimento de que não colou a história de que o triste estado da economia foi resultado da crise mundial, do pessimismo doido de empresários ou de campanhas que contaminaram o humor da população ("guerra psicológica", disse a presidente).
Nos relatos desse mea culpa não há, porém, menção direta ao efeito da inflação sobre eleitores, empresas e negócios, erro que deriva do núcleo de um pensamento fundamentalmente equivocado sobre economia, o qual baseou todas as intervenções na economia que o governo admite agora erradas (tais como tabelamentos informais).
Não, não houve alta destrambelhada e crítica de preços, mas, dadas a situação da economia nos anos recentes e as novas expectativas da população, foi o bastante para desarranjar os negócios e pingar mais azedume no caldo de insatisfação evidente desde pelo menos meados do ano de 2013.
O governo em geral escarnecia de quem observava os problemas causados pela alta regular de preços, em torno de 6% ao ano, mesmo que o crítico não fosse um "economista neoliberal" ou tolice assim. Um "cidadão honesto e prestante", como dizia João Ubaldo Ribeiro, observaria no mínimo e de boa-fé que a inflação degradava, como de costume, a vida dos mais pobres e tirava mercado do produto nacional. Era uma crítica "nacional e popular", para dizê-lo de modo sarcástico, em tese dois temas de afeição do PT.
Note-se de passagem que jamais houve tal coisa como movimento articulado ou disseminado de alardes "catastrofistas" e "pessimistas", como até ontem dizia o governo.
Como se escrevia aqui em janeiro: "Nos três anos Dilma, os economistas em geral acreditavam que o país cresceria muito mais do que de fato cresceu, opinião otimista' que foi mantida mesmo passados dois terços de cada ano. A inflação do IPCA, a oficial', também seria menor, no cálculo dos economistas do Focus, economistas do mercado'".
Durante a onda de piadas amargas de abril de 2014 sobre a "inflação do tomate", metáfora para uma inflação de alimentos então muito alta, o governo acusava os críticos de terrorismo. O governo subestimava o efeito do preço da comida na vida do cidadão. Pode perceber o tamanho desse erro na inflação de mau humor que viria a seguir.
As pessoas sabem cuidar de suas vidas, na média, e entendem de economia na carne. Pesquisas mostram a insegurança causada pela carestia, do mesmo modo que mostram relativa tranquilidade a respeito de desemprego, de fato baixíssimo.
A inflação tende a cair um tico. Isto é, a variação de preços será um tico menor. Mas mudou para cima o nível de preços de coisas básicas como comida, que agora levam um naco maior dos salários. A vida piorou. Ficou na memória do bolso.