Folha de S.Paulo

Análise

Brasil já enfrenta o dilema clássico de épocas de estagflação

GUSTAVO PATU DE BRASÍLIA

Estagflação é um fenômeno tão raro que a palavra não existia até os anos 1970.

Trata-se da combinação de economia estagnada, ou em desaceleração, com inflação alta, ou em aceleração.

Até o advento do termo, essa não era uma situação costumeiramente cogitada pelos teóricos. Em condições normais, uma freada da economia deprime o consumo e tira o fôlego da inflação.

Descobriu-se que estagflações podem acontecer quando um preço que afeta todos os setores, como o do petróleo ou o do dólar, tem uma alta repentina --e também quando o governo exagera nos gastos públicos ou intervém demais nos mercados e nos contratos.

No Brasil, o Produto Interno Bruto, medida da renda nacional, vai crescer menos neste ano, enquanto a inflação vai superar os já elevados 5,9% de 2013.

Ao longo do governo Dilma, com gastos públicos crescentes e intervenções constantes, a expansão fraca do PIB é tão persistente quanto a alta forte dos preços.

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, nega a estagflação com o argumento de que os índices de inflação têm caído nos últimos meses --resultados ainda incipientes.

Há, no entanto, um dado mais sólido a ser levado em consideração: a taxa de desemprego, em queda quase contínua nos últimos anos.

Na típica estagflação, o emprego cai. Tanto que uma regra simples do passado para identificar uma estagflação era a alta do "Índice da Infelicidade", soma das taxas de inflação e desemprego.

Com inflação na casa dos 6% e desemprego na dos 5%, o índice brasileiro hoje está perto dos 11%. Há seis anos, quando a economia vivia um bom momento, o índice chegava aos 13%, com desemprego de 8% e inflação de 5%.

A queda da infelicidade nacional --ao menos a medida por essa fórmula prosaica-- pode enfraquecer a tese da estagflação. Mas não chega a derrubá-la em definitivo.

Na Rússia, onde as taxas de inflação, desemprego e crescimento econômico são similares às brasileiras, a vice-presidente do banco central usou a palavra para descrever a conjuntura do país.

Semântica à parte, o certo é que o Brasil já enfrenta o dilema clássico da política econômica em uma estagflação: medidas que podem reduzir a inflação tendem a agravar a estagnação, e vice-versa.