Brasil.15 Ruchir Sharma
Mercado questiona se time de Dilma terá poder
Para economista, presidente precisa permitir mudança de rumo no Brasil
Mais do que focar nos nomes "A ou B" para dirigir a economia, a grande dúvida sobre o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff é quanto ao "poder e a flexibilidade" da nova equipe em "mudar o rumo do que foi o primeiro mandato".
A opinião é do economista indiano Ruchir Sharma, 40, que chefia a divisão para mercados emergentes do banco Morgan Stanley. Ele diz que o Brasil ainda é "muito dependente" dos preços internacionais das matérias-primas, atualmente em queda, e "muito pouco competitivo" para desenvolver uma indústria manufatureira poderosa.
Autor de um best-seller sobre os emergentes, "Os Rumos da Prosperidade -- Em busca dos próximos milagres econômicos" ("Breakout Nations -- In Pursuit of the Next Economic Miracles"; editora Campus, 2012), ele recebeu a Folha em seu escritório no banco, em Nova York.
Leia a seguir os principais tópicos da entrevista.
MATÉRIAS-PRIMAS
Dilma vai pegar um cenário internacional muito mais difícil nesse segundo mandato que no primeiro. O Brasil parece ainda mais dependente dos ciclos de alta e queda no preço internacional de matérias-primas. E o preço das commodities está em baixa. Entre 2006 e 2013, houve aumento de 600% na oferta de energia e minerais. Descobriram-se reservas de petróleo, gás e ferro pelo mundo.
COMPETITIVIDADE
A taxa de investimento e o poder das manufaturas brasileiras são muito baixos.
Mesmo que o real continue a cair, vai precisar de mais desvalorização ainda. O real é uma moeda muito cara. O Brasil não é competitivo. Não há nenhum outro país emergente de sua escala onde o peso do comércio em relação ao PIB seja tão baixo.
PRESIDENTES REFORMISTAS
Vários países emergentes elegeram recentemente presidentes reformistas, que trazem um ar de novidade, de mudanças, uma vontade renovada de encarar os problemas antigos. Índia, Indonésia, Filipinas, o México antes deles, elegeram presidentes querendo modernizar seus países. Dilma foi reeleita de forma apertada, é difícil esperar dela grandes mudanças. Ela terá um ministério de caras novas, experientes, com vontade de mudar?
NOVA EQUIPE
Menos que saber quem é o nome A ou B que pilotará a Fazenda, o que o mercado vai tentar descobrir é que poder e flexibilidade a nova equipe terá para mudar os rumos da economia e quanto a própria Dilma admite que precisa mudar a orientação do que foi seu primeiro mandato.
MITO DA CONVERGÊNCIA
O mito da convergência dos EUA com os grandes emergentes é apenas um mito. Se você exclui a China, o crescimento do PIB dos demais não supera o dos EUA.
Rússia, Brasil e África do Sul, inclusive, estão bem abaixo. Desde 2011, o PIB americano responde por 23% da economia mundial. Esse número se estabilizou.
A fatia do mundo emergente, excluída a China, estacionou em 19%.
Algumas armadilhas do desenvolvimento podem devolver países em ascensão à renda média, como ocorreu com Argentina e Venezuela, que já foram ricos. Irã, Rússia e Filipinas também caíram de posição desde os anos 50.
ETERNOS EMERGENTES
De 180 países estudados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), apenas 35 são desenvolvidos. A maioria é emergente há décadas e ficará emergindo ainda por muito tempo. Houve poucos bolsões de países que conseguiram se desenvolver entre 1950 e 2000 --o sul da Europa, alguns tigres asiáticos e alguns países do golfo Pérsico. Mas, em 2011, a diferença de renda per capita entre países desenvolvidos e em desenvolvimento continuava a mesma que em 1950. Não sou negativista, é apenas a realidade.
NOVOS MODELOS
Os modelos econômicos de tempos recentes terão que dar passagem para novos modelos ou até para modelo nenhum. No passado, os asiáticos olhavam para o Japão como paradigma, do Báltico aos Balcãs se olhava para a União Europeia, e quase o mundo inteiro olhava para os EUA.
Mas a crise de 2008 minou esses modelos. Os tropeços do Japão fazem a Coreia do Sul, uma potência industrial em ascensão, ser muito mais atraente. Países que queriam muito adotar o euro, como Turquia e República Tcheca estão mais céticas.
O Consenso de Washington também é duro de vender. Como pedir a países pobres que deixem de gastar quando os EUA não pensam em cortar seu deficit enorme?
BRICS EM DESCRÉDITO
O conceito "Brics" caiu em descrédito. Os interesses são muito diferentes. A China já se vê como alternativa aos EUA e tem um PIB maior que de todos os outros Brics juntos. A Rússia está cada vez mais isolada. E Nigéria e Quênia não acham que a África do Sul deva ser o representante africano nesse grupo, nem que lidere o continente.
SETOR PRIVADO
O setor privado brasileiro merece elogios. Diante da carga tributária brasileira, da burocracia, do mercado de trabalho, é incrível que ainda cresça. Há uma parte considerável dos bilionários brasileiros que não são herdeiros, ao contrário de vários países asiáticos.
Mas vários investidores estrangeiros querem sair do país, não aguentam a burocracia. Nós continuamos porque é um mercado grande demais para se ignorar, mesmo sabendo que a história de milagre econômico, de país "bombando" ou de crescimento nos próximos cinco ou dez anos já se esvaiu.
ÍNDIA
A Índia é um dos raros países que conseguiu mudar meu pessimismo com os emergentes nos últimos dois anos. Não só pelas reformas do [premiê Narendra] Modi, que vão fazer o bolo crescer, mas seu capitalismo anda numa fase muito inovadora. Empresas de telecomunicação, farmacêuticas e de varejo estão conquistando mercados nos vizinhos e na África. No Brasil, o bolo não está mais crescendo.
CHINA
A China já representa 16% do PIB mundial. Interessa muito mais o que acontecer por lá para o Brasil do que uma mudança na taxa de juros do Fed [Federal Reserve, Banco Central americano], até porque do Fed não vêm sustos, as mudanças vêm sendo telegrafadas há um bom tempo. Cada ponto percentual que a China deixa de crescer, breca meio ponto do crescimento global, segundo um estudo do J.P.Morgan.
EUA CRESCEM
O setor privado americano é muito dinâmico, criação de empregos e salários estão subindo, as ações na Bolsa estão acima do que deveriam. O país vai crescer 3% por alguns anos, o que é ótimo para um país desenvolvido em um mundo ainda devagar.