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Zona Franca da Argentina faz 'maquiagem' de produto chinês

Empresas da Terra do Fogo são suspeitas de só montar aparelhos e incorporar poucos elementos locais

Polo colabora para boom de eletrônicos no país e é considerado êxito da política industrial da presidente

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A USHUAIA

A versão argentina da Zona Franca de Manaus, na Terra do Fogo, é suspeita de servir apenas como "maquiadora" para montar componentes da China. O polo é considerado um dos grandes êxitos da política industrial da presidente Cristina Kirchner.

A reportagem visitou o local e observou que as peças já chegam em forma de kit ou com informações muito claras de como os produtos devem ser montados. Uma vez terminados lá, recebem o selo "made in Argentina".

A produção é bastante voltada ao mercado interno, mas, caso seja vendida a outros países do Mercosul, recebe os mesmos benefícios de produtos locais.

A lei argentina diz que, para um produto ser considerado nacional, é preciso conter pelo menos 40% de produto local integrado. A ideia é que, quando as peças cheguem ali, seja feita a integração de componentes argentinos, que pode se dar na composição, na embalagem ou no processo de fabricação do produto.

Há suspeitas de que muitas empresas não sigam essa determinação. Em geral, as fábricas só montam os aparelhos que chegam desmontados da Ásia (os chamados CKD, "completely knocked-down"), incorporam poucos elementos locais (em geral embalagens e cabos) e o produto está pronto.

"Trata-se de um drible legalizado. A Argentina nem tem como integrar muito produto local, não há produção de plástico ou de componentes para isso. E, assim, chineses estão entrando de graça, sem pagar taxas, e isso impacta a indústria do Brasil, que não tem como competir", diz José Augusto de Castro, da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil).

A Argentina vive um verdadeiro boom do consumo de eletroeletrônicos. Essa foi uma das principais razões apontadas por analistas ouvidos pela Folha para explicar a vitória de Cristina Kirchner nas eleições.

Com a economia local crescendo a um índice de 7%, o poder de compra dos argentinos aumentou. Somem-se a isso as travas cada vez mais duras contra a importação de produtos estrangeiros e o resultado é um boom na fabricação de eletroeletrônicos.

DESTINO

A Terra do Fogo foi o local escolhido pelo governo, nos anos 70, para dar início a um projeto de incentivo e promoção da indústria, aos moldes da Zona Franca de Manaus.

A ilha austral é um destino muito procurado por turistas, porém pouco habitado (150 mil habitantes que se dividem, principalmente, entre as cidades de Rio Grande e Ushuaia). Construir o polo ali corresponde a um objetivo histórico dos governos argentinos de povoar a Patagônia.

Surgiram, então, as primeiras fábricas. Nos anos 90, porém, com as políticas liberais de Carlos Menem (1989-1999), a indústria local perdeu a batalha contra os importados, que saíam mais em conta pelo fato de a economia ser dolarizada. Muitas empresas tiveram de fechar suas portas.

"Íamos pedir comida na porta dos supermercados", diz Monica Acosta, presidente da cooperativa Renacer, que nasceu das cinzas da falida Aurora e hoje emprega 140 ex-funcionários na fabricação de micro-ondas.

Hoje, a Terra do Fogo é responsável por mais de 90% das TVs vendidas na Argentina e lidera na produção para o mercado interno de eletroeletrônicos como câmeras, celulares e ar-condicionado.

COMPUTADORES

A bola da vez são os computadores. Algumas das 23 empresas instaladas no local já faziam notebooks. Agora, a Sony anunciou investimento de US$ 30 milhões para produzir a marca Vaio por meio de uma empresa local.

Sanyo, Philips, Motorola, Nokia, LG e Lenovo são marcas produzidas na região.

Para o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, trata-se de empreendimento discutível. "Como toda área de exceção, o governo precisa colocar dinheiro lá de tempos em tempos. E ainda há o custo de desgastar as relações com países do qual importamos coisas, como o Brasil."

O secretário da Indústria da Terra do Fogo, Juan Ignacio Garcia, afirma que o "made in Argentina" está garantido porque a origem deve considerar os processos de produção. "E nós fabricamos as placas de memória dos aparelhos."

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