Entrevista Nelson Barbosa
Gastos do governo serão limitados à variação do PIB
Novo ministro do planejamento nega que ajuste em benefícios sociais ameace direito dos trabalhadores
O novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse à Folha que a meta da nova equipe econômica é fazer os gastos do governo federal crescerem menos que a variação do PIB. "Vamos trabalhar para que o gasto do governo cresça em linha com o PIB ou ligeiramente abaixo."
Ele citou que, nos últimos anos, a despesa pública cresceu bem acima do crescimento real do PIB. Momentaneamente, afirmou, isso foi necessário, "mas a longo prazo é insustentável". Em 2013, enquanto o PIB registrou crescimento de 2,5%, o gasto primário do governo subiu 7,2%.
Em sua primeira entrevista exclusiva, concedida na sexta (2), o ministro disse ainda que o novo time de Dilma vai analisar a proposta de fixar um limite de crescimento real para as despesas com a folha de pagamento.
Barbosa negou que o aperto nos benefícios ameace direitos dos trabalhadores.
"Não estamos cortando nenhum benefício, mas ajustando as regras à nova realidade fiscal e social do país."
Ele afirmou também que "a realidade tarifária vai ser positiva". "Deixa o sistema de preços funcionar que a economia responde."
Folha - A presidente Dilma prometeu na campanha não cortar direitos trabalhistas. Reeleita, assumiu o discurso da necessidade de ajustes e cortou benefícios trabalhistas e previdenciários. Não foi uma quebra de compromisso?
Nelson Barbosa - Primeiro, é bom lembrar, as primeiras medidas anunciadas foram relacionadas ao crédito, com elevação da TJLP [taxa de juros de longo prazo] e a revisão das condições de financiamento por parte do BNDES.
Na sequência, houve a recomposição do IPI para automóveis e aprovação de novo modelo de tributação de bebidas frias. Terceiro, foram anunciados ajustes em alguns programas sociais, que não representam revogação de direitos trabalhistas, mas a adequação deles à nova realidade social e fiscal do Brasil.
Todos esses programas continuam, abono salarial, seguro-desemprego, pensão pós-morte. O que houve foi uma correção de alguns excessos e distorções que contribuirá para a viabilidade desses direitos no futuro.
Por que não foram feitos antes?
Não sou a pessoa mais qualificada para dizer por que não foram adotadas antes, mas posso dizer que vão contribuir para a recuperação do equilíbrio fiscal no próximos anos.
Sindicalistas criticaram a mudança no seguro-desemprego num momento de aperto, em que o desemprego pode subir. O que acha dessa crítica?
Não estamos cortando nenhum benefício. Estamos ajustando as regras de benefícios existentes à nova realidade fiscal e social do país. Havia uma distorção. Para requerer o benefício pela primeira vez, precisava ter trabalhado apenas seis meses.
Há espaço de negociação dessas regras no Congresso?
Consideramos as medidas necessárias dentro do contexto macroeconômico deste ano. Segundo nossos cálculos, essas medidas proporcionam economia de R$ 18 bilhões, uma redução permanente do gasto obrigatório do governo de cerca de 0,3% do PIB estimado para 2015.
Uma redução de gasto obrigatório e permanente que abre espaço para aumentar o resultado primário e continuar outras políticas sociais e de salário mínimo. Vamos defendê-las no Congresso e ouvir os parlamentares, que darão a palavra final.
Como chegaram ao cálculo?
Metade é no seguro-desemprego, R$ 9 bilhões. Cerca de R$ 2 bilhões são das mudanças de auxílio-doença e pensão pós-morte. No abono, é o restante, R$ 7 bilhões.
A realidade fiscal forçou essa revisão dos benefícios?
A realidade fiscal forçou, mas, independentemente dela, as pessoas sabem quando há excesso. Uma pessoa de 20 anos receber pensão vitalícia devido à morte do cônjuge não é um benefício adequado.
Como atingir a meta de economia de gasto de 1,2% do PIB?
Temos os R$ 18 bilhões de redução de gastos com os benefícios, vamos ver quanto será preciso contingenciar [bloquear] verbas do Orçamento. Esse reequilíbrio fiscal será feito de forma justa, a maior parte concentrada em despesas, mas também envolve algum aumento de receita.
O governo pode adotar uma regra de limitar o crescimento dos gastos públicos em relação à evolução do PIB?
As metas fiscais deste e dos próximos anos já foram anunciadas, 1,2% do PIB neste ano e 2% em 2016 e 2017. Há uma discussão na sociedade sobre se além da meta de superavit faz sentido colocar uma meta de crescimento do gasto global em linha com o PIB.
Posso dizer que vamos trabalhar para que o gasto do governo cresça em linha com o PIB ou ligeiramente abaixo nos próximos anos. Transformar numa regra formal envolve várias discussões, que vamos querer ter, mas não há uma definição formal, pois cada gasto tem sua dinâmica.
Mas há um compromisso de buscar limitar o gasto ao crescimento da economia?
Sim, em linha ou abaixo do crescimento da economia.
Vinha crescendo acima?
Sim, porque o crescimento da economia desacelerou e a despesa pública cumpriu seu papel anticíclico. Nos últimos anos a despesa pública cresceu bem acima do crescimento real do PIB. Momentaneamente isso é necessário, mas a longo prazo é insustentável.
A longo prazo, o princípio é que a despesa pública cresça em linha com o crescimento da economia ou abaixo. Agora, se isso vai ser traduzido numa regra formal, na LDO, é algo a ser discutido, vamos checar se teremos de formalizar, mas estamos fazendo isso na prática. É nossa meta.
Primeiro, vamos estabilizar o crescimento, depois reduzir em proporção do PIB. A filosofia da nova equipe é criar condições para que o gasto do governo cresça em linha com o PIB. No curto prazo pode ainda crescer, devido a compromissos assumidos.
E o limite para folha de pagamento?
É uma proposta interessante e correta fixar um limite para o crescimento real da folha, ainda vamos analisar.
O represamento de preços prejudicou a economia por ter criado uma inflação artificialmente menor e prejudicou a receita do governo, porque reduziu o faturamento de estatais. A realidade tarifária vai ajudar o governo?
O ajuste dos preços administrados à nova realidade é necessário para o funcionamento de qualquer economia de mercado. O preço é o principal mecanismo de incentivo e de sinalização.
Por maior que seja o efeito restritivo de algum ajuste de preços no curto prazo, ele é que viabiliza a reorganização da economia para produzir mais aquilo que está caro e menos o que está barato.
Esse realinhamento vai tornar rentáveis várias atividades, viabilizando investimentos e promovendo ampla recuperação da economia rapidamente. Deixa o sistema de preços funcionar que a economia responde.
Isso já está acontecendo, vários preços começaram a ser realinhados, já no último ano do primeiro mandato de Dilma, quando houve realinhamento da taxa de câmbio promovido pelo mercado, reajuste de energia, de combustíveis. A realidade tarifária vai ser positiva à medida que o tempo passa.
Foi um erro fazer esse represamento?
Estou aqui para trabalhar daqui para a frente, não cabe a mim julgar o passado.
Até quando vai durar o ajuste?
Temos como política trabalhar com a previsão média do mercado, que prevê um crescimento ainda lento em 2015, recuperando-se no final do ano e entrando em 2016 com um crescimento mais alto.