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Gustavo Cerbasi

Férias piratas

Será o Estado o vilão? Ou o Estado insuficiente é apenas fruto de cidadãos sem cidadania?

Rezam as cartilhas de finanças pessoais que quem cuida bem do dinheiro e faz planos coerentemente durante o ano consegue iniciar um ano novo com contas em dia, dívidas sob controle, um pé de meia e ainda uma verba para desfrutar um pouco das férias escolares dos filhos.

Digamos que você, ao menos, esforçou-se para ter recursos para gastar com o lazer das férias. Se conseguiu isso, é cedo para os parabéns, pois é grande a chance de lidar mal com seu dinheiro, independentemente de quantos objetivos você alcançou em sua lista de metas financeiras do ano ou de que tipo de sacrifício fez para contar com esses recursos.

Não duvido de sua capacidade de discernir o que é certo ou errado. O problema é que, nas férias, multiplicam-se as oportunidades de desrespeito às regras de cidadania, a ponto de se tornar difícil evitar todos os erros.

Ao buscar alternativas à ebulição caseira da energia infantil, muitas famílias procuram sair de casa. É aí que iniciam as dificuldades, a começar por filas para todo lado.

Quem sai para viajar consome muitas horas e litros de combustível em engarrafamentos nas estradas. O consumo adicional obriga famílias a abastecer seus veículos mais vezes em postos de procedência desconhecida, raramente com algum compromisso com os clientes.

Paga-se gato por lebre para empresas que sonegam impostos e de quebra prejudicamos o desempenho mecânico e encurtamos o prazo de validade entre as manutenções do veículo.

O vilão da história é a falta de fiscalização efetiva? Ou seria o consumidor, que, sem planejamento e passivo diante da sonegação, contribui para um Estado que arrecada menos e não consegue fiscalizar?

E quem vai à praia com a família, para passar aquele dia de sol, sombra e dezenas de petiscos? Em todo o Brasil, cada água, cada cerveja, cada comidinha -não importa se camarão, siri, queijo, polvilho ou empanada- comprada de ambulantes é, em essência, um ato de contravenção. Sabe-se que o vendedor informal não recolhe impostos e quem aceita essa prática contribui para a fragilização da economia.

Alguns dirão que o ambulante compra seus produtos no mercado ou em fornecedores que pagam devidamente seus impostos, mas o problema é a falta de responsabilidade fiscal sobre a taxa de conveniência que o ambulante cobra a mais de você. Ele sonega. Se todos pagassem direito, o Estado arrecadaria mais e todos poderiam pagar proporcionalmente menos.

Mais pirataria. Logo no começo das férias, procurei levar meus filhos ao cinema, mas a escassa produção cinematográfica para crianças nos oferece apenas um ou dois filmes infantis por temporada -nem todos de boa qualidade.

Fui atrás do clássico DVD da "Cinderela", que minha filha adora. Esgotado. Liguei para o distribuidor oficial e recebi uma resposta estarrecedora: "Esgotado. Não temos previsão de volta ao mercado. Para encontrar, só em distribuidor alternativo". Ou seja, camelôs?!

Recuso-me! Nada de "Cinderela" nestas férias. Fomos atrás de atrações menos cinematográficas, mas foi frustrante. Faltam opções, fila para todo lado!

No moderno aquário de Santos, sob o escaldante sol de 35ºC (dúvida: o cliente só deve ser bem atendido após a bilheteria?), ou no aquário de São Paulo, nos parques temáticos, nos shows, nos teatros: em todas essas atrações encontrei camelôs vendendo bebidas nas filas e cambistas oferecendo ingressos por dezenas de reais a mais a quem quisesse evitar as filas.

Serviço pirata! Recuso-me a pagar mais para quem lucra sem pagar impostos, ou seja, não segue as mesmas regras que eu. Minha receita para enfrentar filas e não entrar no jogo da informalidade? Leve um livro para ler para seus filhos.

Porém, vejo que muitos, no alto da arrogância de estarem com alguns recursos sobrando, facilmente aceitam participar do jogo da contravenção. A polícia observa, sabe disso, mas é insuficiente para controlar. Alguns cobram mais efetividade. O Estado não responde. Repito: será ele o vilão? Ou o Estado insuficiente é apenas fruto de cidadãos sem cidadania?

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Como Organizar sua Vida Financeira" (Elsevier Campus).

www.maisdinheiro.com.br

@gcerbasi

AMANHÃ EM MERCADO:
Benjamin Steinbruch

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