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Análise Café

Incorporação do grande produtor ao 'Fair Trade' rende polêmica

SYLVIA SAES
BRUNO VARELLA MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No final de 2011, a certificadora Fair Trade USA tomou uma decisão polêmica: incorporar grandes produtores de café em seu selo.

A polêmica fica por conta da defesa histórica, por parte do comércio justo, dos pequenos cafeicultores desde o final da década de 1980.

O estabelecimento da certificação solidária tem sido justificada com o argumento de que são necessários instrumentos para assegurar a inclusão dos produtores familiares marginalizados no mercado internacional.

O café, cuja produção se concentra nos países em desenvolvimento, tem sido um dos principais itens negociados no sistema Fair Trade.

A certificação permite aos pequenos produtores organizados em cooperativas a venda de café diretamente aos torrefadores e varejistas, utilizando um sistema transparente de pagamento.

O principal instrumento de ação é a garantia de um preço mínimo aos cafeicultores certificados, determinado segundo os parâmetros do mercado internacional. Em resumo, a ideia é a de que o produtor não sofra os efeitos das oscilações de preços.

A proposta é ambiciosa, principalmente quando se tem em conta que parte considerável da produção mundial de café é oriunda de pequenas propriedades.

Embora apenas uma pequena parcela dos cafeicultores familiares esteja ligada ao Fair Trade, o excesso de oferta é hoje uma realidade. Há mais café certificado no mercado do que a capacidade de absorção pelos preços definidos pela certificadora.

Nem mesmo a tentativa de incorporar os grandes compradores (torrefadoras e varejo), decisão igualmente polêmica, contribuiu para sanar esse problema.

No final de 2010, já se contavam 329 organizações certificadas, que incluíam 530 mil pequenos produtores em 28 países, e que eram responsáveis por uma capacidade total certificada de 330 mil toneladas. O volume de venda na safra 2009-10, porém, foi de apenas 103 mil toneladas.

Os grandes produtores têm bons argumentos para pedir a sua entrada no sistema Fair Trade. O monopólio das boas práticas trabalhistas ou ambientais não pertence aos agricultores familiares.

Do ponto de vista da lógica de funcionamento do sistema, porém, essa mudança pode trazer ainda mais limitações para a inserção dos pequenos cafeicultores.

Afinal, o comércio justo só é capaz de assegurar o preço mínimo caso se apoie em altas barreiras à entrada de novos participantes, a fim de manter a oferta restrita.

Com o aumento progressivo da produção certificada, aprofunda-se o dilema: quem irá se beneficiar do preço mínimo? A inclusão dos grandes produtores levanta o temor de que a lógica do cartel prevaleça também em um nicho que sempre a combateu.

SYLVIA SAES é professora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e coordenadora do Cors;
BRUNO VARELLA MIRANDA é pesquisador do Cors.

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