Entrevista - Clodoaldo Hugueney
Comércio encerra ciclo, e país deve focar investimento chinês
Para ex-embaixador, é hora de o Brasil atrair capital asiático para infraestrutura, pois demanda por commodities não é mais a mesma
O comércio Brasil-China não vai recuperar o dinamismo que teve nos anos de boom das commodities e de recordes de crescimento do PIB chinês. Por isso, os brasileiros precisam focar a atração de investimentos chineses --principalmente na área de infraestrutura.
A opinião é de Clodoaldo Hugueney, ex-embaixador do Brasil na China (2008-2013), que acaba de assumir a presidência do Conselho Empresarial Brasil-China.
Para ele, haverá vários anúncios de investimentos durante a visita ao Brasil de Li Keqiang, primeiro-ministro chinês, em maio. A seguir, trechos da entrevista.
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Folha - Em 2015 e em 2016, a China deve crescer muito abaixo dos anos anteriores. Qual é o impacto para o Brasil?
Clodoaldo Hugueney - Hoje todos acompanham o crescimento chinês e as reformas da economia. A taxa de crescimento tem impacto na economia mundial, nas importações e nos investimentos. E as reformas determinam o que vai ser a China daqui para a frente. Ou seja, tão importantes quanto o crescimento do PIB são as reformas que estão ocorrendo na China.
Como isso vai nos afetar?
O processo de urbanização da China está avançando e é prioridade do governo. Isso vai fazer com que as pessoas consumam mais produto industrializado de agricultura, carne industrializada, sucos de frutas, o que abre uma grande perspectiva para o agronegócio brasileiro.
E não só para exportação mas também para investimentos em supermercados, restaurantes. Acho que temos um espaço enorme. E a área de serviços, dentro desse processo de reformas, vai crescer bastante. O setor de serviços é muito pouco desenvolvido na China. O Brasil é competitivo em automação bancária, software especializado.
Quais áreas são mais promissoras para o Brasil na China?
Nos últimos anos, a relação Brasil-China foi sustentada pelo comércio. Minha sensação é que esse ciclo terminou, porque o superciclo das commodities foi excepcional e a China não vai mais crescer como antes. Com o Brasil em período de ajuste, também não teremos a mesma demanda por importações chinesas.
O comércio vai seguir sendo extraordinariamente importante, porque atingiu um valor muito significativo, mas a meu ver não terá o dinamismo de antes. O que pomos no lugar disso? Investimentos.
Os chineses vão acelerar o processo de investimentos no exterior, com incentivo do governo para empresas comprarem outras ou iniciarem negócios. O Brasil se beneficiou disso, entraram várias empresas chinesas aqui.
Agora esse processo vai ganhar uma dimensão maior. Não só investimentos nas áreas de recursos naturais, que é onde a China tem uma necessidade importante. Na infraestrutura, por exemplo, nós temos um deficit brutal.
Por que o Brasil não conseguiu diversificar as exportações para a China, ainda muito concentradas em commodities?
Isso não é algo trivial, você tem que transformar a China em prioridade do ponto de vista empresarial, como fizeram Alemanha, EUA, França, Coreia. No Brasil a China só é prioridade do ponto de vista defensivo, não ofensivo.
Eu passei quase cinco anos lá e recebi pouquíssimas missões da área industrial e de serviços. As pessoas consideravam a China muito complicada, porque lá só falam chinês, tem governo autoritário. Diziam que os chineses eram tão competitivos que não teriam como enfrentá-los.