Análise previdência
Fórmulas em debate não devem beneficiar grupo dos mais pobres
Com inserção irregular no mercado de trabalho, fatia de baixa renda tende a se aposentar apenas por idade
O fator previdenciário foi criado em 1999 como forma de fazer com que cada pessoa receba na sua aposentadoria o equivalente ao que aportou.
Não se trata de um redutor como muito se repete, mas de buscar equilíbrio entre pagamento e recebimento.
Em 2015, o Congresso incluiu num texto em votação a fórmula 85/95, que extingue o uso do fator quando a soma de idade e tempo de contribuição superar 85 para mulheres e 95 para homens.
O Executivo vetou a alteração, mas editou nova MP que transforma progressivamente essa fórmula para 90/100 em 2022. Como ainda será analisada pelo Congresso, pode haver novas alterações e discussões sobre vetos.
O efeito final sobre as finanças públicas depende da reação das pessoas. Caso continuem a se aposentar o quanto antes, nada muda.
Caso prorroguem, há dois efeitos. No início, alívio.
A médio e longo prazo, a conta sobe porque sobe o valor da aposentadoria e de suas decorrentes pensões por morte. Por exemplo, em 2014, as mulheres se aposentaram em média com 52 anos, e os homens, com 55. Caso contribuam mais, a aposentadoria iria de por volta de 70% da média dos salários de contribuição para 100%. Contas mais elaboradas indicarão qual dos dois efeitos prevalece.
RISCO DE JUDIALIZAÇÃO
É preciso alertar que o impacto sobre as contas públicas pode ser maior em razão de duas contestações judiciais. Em primeiro lugar, quem se aposentou com o fator entre final de 1999 e junho de 2015 mas atendeu às condições da 85/95 pode requerer à Justiça a revisão de benefício sob as novas regras.
Em segundo lugar, ficam evidentes os incentivos à "desaposentação". Ainda em votação no Supremo, ela consiste em cancelar a aposentadoria em recebimento e requerer outra pelas novas regras. No limite, anula o alívio de curto prazo para as contas públicas, mas mantém o custo maior no longo prazo.
O debate, contudo, não deve se restringir a questões fiscais. As aposentadorias por tempo de contribuição são usualmente concedidas a pessoas de segmentos médios e altos que se inserem regularmente no mercado de trabalho formal e conseguem se aposentar ainda jovens na faixa dos 50 anos.
Pessoas de baixa renda com inserção irregular no mercado de trabalho tendem a se aposentar por idade aos 65 anos (homens) e 60 (mulheres). Em outras palavras, o grupo beneficiado pela nova fórmula não é necessariamente o dos mais pobres.
É preciso que a sociedade reflita sobre a sustentabilidade das contas públicas, as gerações futuras e a equidade da Previdência em vez de ceder às tentações das conveniências do momento.