Entrevista - Vinicius Marques de Carvalho
É melhor fortalecer os táxis que proibir o Uber
Para chefe do Cade, órgão de defesa da concorrência, coibir inovações é um erro e prejudica o consumidor
A proibição do uso de aplicativos de carona como o Uber pode prejudicar os consumidores, diz Vinicius Marques de Carvalho, presidente do Cade, órgão federal de defesa da concorrência.
Segundo ele, é preciso debater a regulamentação do serviço e a criação de mecanismos que deem aos taxistas condições de concorrer com os novos rivais.
Inibir aplicativos de compartilhamento é um erro, afirma: "Não conheço sociedade que se desenvolveu sem permitir que a inovação floresça e não podemos colocar isso em risco em nome de interesses corporativos."
O Cade investiga se associações de taxistas vêm infringindo a lei da concorrência ao tentar inibir o uso do Uber no país. Nas últimas semanas, as Câmaras do Distrito Federal e de São Paulo aprovaram projetos inibindo o uso do serviço, que hoje existe em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Rio.
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Folha - Estudantes do DF entraram com representação no Cade, acusando taxistas de abusar de medidas judiciais e pressão política contra o Uber, prejudicando a concorrência. Há base para ação do Cade?
Vinicius Marques de Carvalho - A representação menciona também a incitação à violência física e verbal contra concorrência e consumidores, ameaças públicas, pressão junto a agentes públicos e ações de natureza anticompetitiva. Mas essa avaliação ainda está sendo feita.
Outra dimensão em que o Cade pode atuar diz respeito a possíveis legislações e regulamentações que inibam ou proíbam a atuação de aplicativos. O Cade pode auxiliar o Judiciário, para que ele tome uma decisão sobre a possível inconstitucionalidade de medidas proibitivas de empresas nesses mercados.
Quais os próximos passos?
O que os universitários pedem é a adoção da medida preventiva que cesse atos abusivos, como violência e pressão junto ao Legislativo.
Pode-se ainda abrir um processo administrativo para investigar a conduta e, é nesta fase, que se está hoje.
Estamos diante de um cenário em que várias condições tecnológicas se alteraram nos últimos anos, muita inovação ocorreu nesses mercados.
As pessoas estão falando muito do Uber, mas não é só ele. É tudo que se enquadra na chamada economia de compartilhamento. Uber, Airbnb [plataforma para hospedagem] e outros.
Quando estamos diante de uma inovação como essa, normalmente interesses corporativos se apresentam para preservar o status quo. E a grande discussão que se coloca é quais interesses irão prevalecer.
O Cade tem um foco no interesse do consumidor, que está sendo desprezado nessas discussões. A sociedade quer esse serviço ou não?
O sucesso do Uber sinaliza que ele é necessário?
O sucesso é aferido pelo fato de você ter ou não crescimento de determinado serviço. É uma decisão do próprio consumidor.
Há inovações que de fato ameaçam determinados modelos de serviços e profissões são alteradas. O serviço de táxi é caracterizado por assimetrias de informação. Quando chama o táxi, você não sabe o estado do veículo, o preço final que irá pagar pela corrida e a confiabilidade do condutor. Além disso, há problemas de coordenação. Muitas vezes, há muito táxi em áreas de pouca demanda e pouco táxi em áreas de muita demanda. Esses aplicativos geram desafios para esse modelo regulatório antigo.
Por que o modelo antigo não se adapta? Qual o impacto que os novos aplicativos têm em termos de mobilidade urbana?
Não conheço sociedade que se desenvolveu sem permitir que a inovação floresça e não podemos colocar isso em risco em nome de interesses corporativos que em várias situações colidem com a defesa da concorrência.
Se não se encaixa na interpretação formal da legislação, o correto é dizer que é ilegal ou é pensar maneiras de adaptar e regulamentar, permitindo que esses serviços consigam atuar em nome de um interesse maior que o é interesse da sociedade e da maior concorrência?
No mínimo, é preciso debater o tema sem preconceito.
O porta-voz do Uber afirmou à TV Folha que a legislação anda mais devagar do que a inovação, e colocar o Uber no modelo antigo seria comparar Netflix e TV. O sr. concorda?
Eu concordo com a ideia de que a lei tem de ser responsiva ao interesse da sociedade. Inovação gera desenvolvimento econômico e pode gerar qualidade.
No ano 2000, o Cade emitiu uma decisão num caso dizendo que o desconto na tarifa de táxi tinha de ser permitido. Faz sentido que o táxi seja tarifado do jeito que é? Que interesses estão sendo preservados? Qualidade é muito mais importante em algumas situações do que a regulação de preço.
Ninguém está falando que não tem de haver regulação. Restaurantes, por exemplo. Não existe nenhuma lei municipal dizendo quando restaurantes podem existir. É uma atividade que precisa de uma série de autorizações, inclusive, relacionados à saúde pública. Para preservar a qualidade, faz sentido impor limite de restaurantes? Não. Por que então, para preservar a qualidade e segurança de serviço de táxi, tem de impor um limite?
O que o sr. diz é que o sistema atual precisaria de qualquer maneira de uma revisão.
A discussão necessária é, também, como o próprio serviço de táxi pode se ajustar para competir. Essa discussão é muito mais saudável do que proibir esses aplicativos e ponto final.
Que interesse está sendo preservado com a simples proibição dessa atividade? É do consumidor, é da sociedade brasileira? Em nome de quem o Estado brasileiro vai proibir a atuação de qualquer atividade inovadora?
Os taxistas argumentam que o Uber é uma concorrência desleal. Já os defensores do aplicativo lembram dos incentivos fiscais para a compra de táxis. O que seria mais distorcido na relação que já existe?
Não fiz essa conta. Da perspectiva da defesa da concorrência, ela não é necessária. Se você tem custos maiores de um lado ou de outro, talvez seja o caso da regulação criar mecanismos de equalização.
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