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Entrevista Michael Yates

Revolta de Wisconsin muda clima político, diz socialista

ENSAIOS ORGANIZADOS POR ECONOMISTA ANALISAM MAIOR MANIFESTAÇÃO TRABALHISTA NOS EUA NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Foi a maior manifestação de protesto de trabalhadores norte-americanos nas últimas décadas. Há um ano centenas de milhares tomaram o prédio do governo do Estado de Wisconsin, em Madison, contra cortes do governo estadual e uma legislação que esmagava sindicatos.
Inesperada, a revolta -ao final derrotada- eclodiu em paralelo à Primavera Árabe e foi um prenúncio do movimento "Occupy" nos EUA.
Para fazer um balanço do movimento, o economista Michael Yates, 66, organizou "Wisconsin Uprising" (Revolta de Wisconsin, em tradução livre), uma coletânea de ensaios que discute também o movimento sindical, o papel do Partido Democrata e as marcas que a desindustrialização deixa nos EUA.
Doutor pela Universidade de Pittsburgh, Yates começou a trabalhar aos 12 anos como entregador de jornal. Abriu mão de suas posses e hoje percorre os EUA dando aulas a trabalhadores. Socialista, é diretor editorial da "Montly Review Press", que edita o livro. Por e-mail, respondeu às perguntas da Folha.

Folha - Como o senhor explica a revolta?
Michal Yates - Por quase quatro décadas, os trabalhadores dos Estados Unidos viram sua renda, condição de trabalho e perspectiva de vida se deteriorarem. Os governos adotaram medidas de austeridade, cortando empregos, salários e benefícios sociais.
O dinheiro do governo federal para Estados secou. E os Estados, que reduziram impostos de empresas e de ricos, voltaram-se contra os trabalhadores do setor público, que foram acusados pelos deficit nos Orçamentos.
Em Wisconsin, o governador Scott Walker (republicano, eleito em 2010) encaminhou uma lei contra os sindicatos, acabando com acordos coletivos, restringindo negociações e extinguindo descontos automáticos das contribuições sindicais.
Houve cortes de impostos para ricos e para corporações. Foi reduzida a ajuda a pobres, e normas ambientais foram flexibilizadas.
Foi demais para muitos trabalhadores.

O que aconteceu?
Assistentes de ensino da Universidade de Wisconsin foram para o palácio do governo, em Madison, para entregar um cartão de Dia dos Namorados para o governador dizendo que ele havia quebrado os seus corações. E decidiram permanecer lá.
Trabalhadores de várias áreas foram para lá e a ocupação durou 17 dias. Houve manifestações de centenas de milhares, e professores entraram em greve.

Wisconsin tem uma história de protesto, não?
Sim. Foi o primeiro Estado a dar aos trabalhadores do setor público o direito de se organizar e de fazer greve e a promulgar leis de compensação aos desempregados. Teve um partido radical de trabalhadores rurais e prefeitos socialistas.

Qual o resultado da revolta?
A liderança sindical recuou. A polícia ganhou o controle da situação e o prédio foi desocupado. Foi feito um abaixo-assinado com mais de 1 milhão de adesões para forçar o Estado a reconvocar as eleições ("recall election") para deputados republicanos e para o governador.
A legislatura permanece nas mãos dos republicanos. Uma eleição de "recall" muito provavelmente vai ocorrer em breve.
Uma lei draconiana sobre o trabalho entrou em vigor.Sindicatos de funcionários públicos perderam membros e já não há proteção real nos acordos coletivos de trabalho. Os sindicatos tiveram que começar a organizar suas bases. Eles precisam democratizar suas entidades.

Quais são os lições?
As principais são: 1) as greves são importantes; 2) educação continuada é necessária; 3) demandas corajosas devem ser feitas; 4) é preciso fazer alianças com grupos comunitários, de imigrantes, de direitos civis; 5) é preciso romper ligações com o Partido Democrata.

O que o movimento ganhou?
O ganho mais importante foi mudar radicalmente o clima político. Há uma boa chance de que o governador de Wisconsin seja derrubado na eleição de "recall".
Alguns sindicatos foram revigorados. Uma lei antitrabalhadores em Ohio foi rejeitada e vários deputados antissindicais e anti-imigrantes foram derrotados.

Qual a relação de Wisconsin com o "Occupy"?
O "Occupy" é mais amplo, pois envolve também os sem-teto e jovens desiludidos. Mas há conexão com trabalhadores. Houve uma cooperação em Oakland, Califórnia, onde sindicatos e o "Occupy" fecharam o porto.

Tradicionalmente há a polarização entre dois partidos e a esquerda é fraca nos EUA. Isso pode mudar?
Não no curto prazo. O movimento sindical não tem um componente radical sólido desde que os sindicatos de esquerda foram eliminados em 1949. A esquerda nunca se recuperou da histeria do anticomunismo da Guerra Fria.

WISCONSIN UPRISING
AUTOR Michael Yates (org.)
EDITORA Montly Review Press
QUANTO US$ 18,95 (304 págs.)

"Houve cortes de impostos para ricos e para corporações. Foi reduzida a ajuda a pobres e normas ambientais foram flexibilizadas. Foi demais para muitos trabalhadores"

"O ganho mais importante [do movimento] foi mudar radicalmente o clima político. Há uma boa chance de que o governador de Wisconsin seja derrubado na eleição de 'recall'"

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