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Alexandre Hohagen

Competência 'glocal'

Latinos têm dificuldade de lidar com a forma direta e muitas vezes com aspecto rude dos anglo-saxões

Dia desses conheci um candidato excelente para ocupar uma de nossas vagas. Como nosso processo seletivo é bastante completo, as entrevistas acontecem com várias pessoas de diferentes funções e locais para garantir maior amplitude nas avaliações.

Ao receber os comentários dos demais entrevistadores, observei que, pela segunda vez, um dos executivos nos Estados Unidos gongou o excelente candidato friamente.

Nas palavras do meu colega, o candidato não estava alinhado à cultura da empresa, pois o havia interrompido algumas vezes na entrevista. Nossa cultura prega colaboração, transparência e respeito. E isso parecia ser um sinal contrário ao que estávamos buscando.

Estabelecer uma companhia internacional em país estrangeiro demanda, entre outras competências, o conhecimento das características e culturas locais.

Muitos se lembram do desastre pelo qual passou um provedor de internet que lançou suas operações no Brasil no início dos anos 2000 com a distribuição de CDs de instalação infectados por vírus virtuais.

Ou do restaurante que tentou repetir o sucesso internacional com uma fórmula de frango frito que nada tinha de comum com o gosto e a cultura do nosso país.

O avanço das empresas com plataformas globais está obrigando os executivos a somar às suas competências de gestão o conhecimento das diferenças culturais dos países onde querem atuar. O produto pode ser global, a execução deve respeitar o local.

Muitas vezes, o sonho de paraíso desburocratizado, impostos simplificados, cultura de inovação e produtividade e mão de obra superqualificada não se aplica a diversos países. A experiência em lugares como Dublin e Cingapura infelizmente não se aplica à nossa região. Aqui, a complexidade é muito maior.

Para contestar o comentário do meu colega em relação ao candidato -e para educar as equipes que participam dos nossos processos de contratação-, preparei um relatório baseado num estudo do professor Jan M. Ulijn, Ph.D. na Universidade de Eindhoven, na Holanda, que trata das diferenças culturais na forma de comunicação entre os povos latinos e anglo-saxões.

Nesse estudo, ele diz que, enquanto americanos, alemães e holandeses consideram a interrupção um ato deselegante, os latinos consideram essa uma maneira de lidar com vários temas em pouco tempo, o que leva a constantes interrupções. Por outro lado, os latinos têm dificuldade de lidar com a forma direta e muitas vezes com aspecto rude dos anglo-saxões. Em nenhum dos casos há a intenção do desrespeito.

Não foi a primeira vez que tive que explicar como funciona a cultura latina para evitar interpretações incorretas. Durante a mais recente Copa do Mundo, alguns executivos norte-americanos insistiam em agendar reuniões durante os jogos da seleção. Fotografei as ruas de São Paulo 15 minutos antes e 15 minutos depois do início dos jogos para mostrar a realidade do país.

Todas as reuniões com o time do Brasil foram canceladas durante os jogos e nem por isso os compromissos foram prejudicados.

Contratar pessoas é sem dúvida uma das atividades mais importantes para o crescimento ou o estabelecimento de uma operação de sucesso. A qualidade do time que se monta desde o início tem grande impacto no futuro da organização.

Na HBO, há dez anos, minha função foi reestruturar a operação de negócios e envolveu a contratação de uma série de profissionais, muitos vindos de diferentes setores, com características e competências complementares.

No Google, durante quase seis anos, calculo ter entrevistado mais de mil candidatos para todas as funções da empresa.

Há cerca de um ano, na empreitada à frente do Facebook, gasto grande parte do meu tempo conhecendo e entrevistando pessoas para diferentes posições. Em todos os casos, o objetivo inclui montar um time para fazer a operação crescer.

Isso só é possível com dedicação e envolvimento das equipes. E, acima de tudo, um processo criterioso para buscar sempre os melhores profissionais. Principalmente no momento inicial de uma empresa.

ALEXANDRE HOHAGEN, 44, jornalista e publicitário, é responsável pelas operações do Facebook na América Latina. Em 2005, fundou a operação do Google no Brasil e liderou a empresa por quase seis anos. Escreve às quintas-feiras, a cada quatro semanas, nesta coluna.
www.facebook.com/colunadohohagen

AMANHÃ EM MERCADO:
Luiz Carlos Mendonça de Barros

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