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Maria Inês Dolci

Veja, ilustre passageiro

Os governantes parecem não saber o que fazer para melhorar a qualidade da mobilidade dos brasileiros

Nós já voamos nos braços da Panair. Que foi abatida pelo regime autoritário pós-64. Também já viajamos na janelinha de aviões da Cruzeiro, da Vasp, da Transbrasil e da Varig, que, em seus anos áureos, era uma das principais companhias aéreas do mundo. Todas soçobraram por problemas de gestão, desmandos, controle artificial do mercado, congelamentos de tarifas e problemas similares.

Hoje, o mercado brasileiro é atendido, principalmente, pelo duopólio Gol-TAM. Empresas que conseguiram uma façanha: perder dinheiro no Brasil, em que há grande necessidade de transporte aéreo, inclusive pelas dimensões continentais do país. Além disso, essas empresas voam em uma das poucas regiões do mundo com alguma perspectiva de crescimento econômico nos próximos meses. E na qual há notória ascensão de consumidores à classe média.

A Gol teve, em 2011, prejuízo de R$ 710,4 milhões, enquanto a TAM perdeu R$ 335,1 milhões. Juntas, portanto, perderam mais de R$ 1 bilhão.

Analistas debitaram esses números à guerra tarifária das empresas e ao elevado reajuste no preço do querosene de aviação, em torno de 33% no ano passado.

O certo é que a reação a esse quadro negativo será sentida pelos consumidores: redução no número de aeronaves, demissões de pilotos e de pessoal de bordo, redução de voos diários. Já estavam em curso aumentos das passagens e restrições às milhagens.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou a Gol, por exemplo, a reduzir um comissário dos quatro que trabalhavam em algumas aeronaves.

A Azul e a Avianca, concorrentes das líderes, tendem a aproveitar o período de dificuldades das grandes para "brigar" por uma fatia maior do mercado.

Mas cabe aos passageiros prestar muita atenção a tudo isso, pois os serviços, em geral, já não merecem nota dez. Imaginem com cortes de todo tipo. Não parece mero acaso que os transportes brasileiros andem de lado, com sérios problemas. Há todo tipo de dificuldades, que não se restringem às nuvens. Panes frequentes têm ocorrido no metrô paulistano.

Pequim, a capital chinesa, tinha 372 quilômetros de metrô no começo deste ano. Até 2015, deve elevar esse número em mais de 50%, para 561 quilômetros, que chegarão a 1.000 em 2020. Ou seja, 600 quilômetros adicionais em oito anos.

As obras do metrô paulistano foram iniciadas no final de 1968. Ainda não tem 75 quilômetros de extensão. O do Rio foi inaugurado em 1979, com 4,3 quilômetros de trilhos. Hoje, são 48 quilômetros.

Há um espantoso atraso na licitação de 1.967 linhas de ônibus, prevista inicialmente para 2008.

O trem-bala, sonho recorrente do governo federal, não sai do papel, enquanto as estimativas de custo não param de crescer. A mais recente totaliza mais de R$ 30 bilhões, e o primeiro leilão foi adiado pela enésima vez, para novembro deste ano.

São várias cenas, que poderiam compor um filme. O roteiro seria a incompetência gerencial crônica e atávica na área. Os governantes parecem não saber o que fazer para melhorar a qualidade da mobilidade dos brasileiros. As agências reguladoras batem cabeça.

Cidades de uma mesma região, com prefeitos de diversos partidos, não se entendem para executar projetos conjuntos que melhorem o trânsito regional. Os serviços são péssimos em grande parte do país. Algumas estradas rivalizam, em buracos, com a superfície lunar.

Tudo isso antes da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, no Rio. Ou seja, sem a movimentação adicional de milhares de pessoas pelo Brasil.

Só não virará caos, provavelmente, porque há o artifício dos feriados em dias de jogos. Um curativo que somente esconderá as feridas de nosso sistema de transporte.

Em rodovias, avenidas, trilhos, ar e mar, com licença do cantor e compositor Almir Sater, andamos devagar, porque já tivemos pressa de chegar. Ou porque não sabemos muito bem qual o nosso objetivo.

Apertem os cintos, pois não há piloto. E o belo tipo faceiro que viaja a seu lado, bem, deve estar atrasado e estressado com tudo isso.

MARIA INÊS DOLCI, 57, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

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