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Mario Mesquita

Amizades e interesses

Alguém acha que os países vizinhos se alegram com o grau de protagonismo alcançado pelo Brasil?

A diplomacia financeira internacional vem sendo caracterizada pela emergência de novos grupos de discussão, sem, contudo, que se estabeleça um novo fórum efetivo de debates e decisões.

O grande problema é que o grupo com maior legitimidade, o G20, é grande e heterogêneo demais para ser efetivo. Já o antigo G7, que, com a participação da Rússia vira G8, tem tamanho adequado, mas carece de legitimidade, em especial por excluir os mais importantes países emergentes.

As esses grupos construídos por diplomatas e burocratas econômicos se junta o Bric, com as maiores economias emergentes mais a África do Sul, uma construção inicialmente pensada por um banco de investimento. Evidentemente, o Bric (ou Brics) pode ser representativo das economias emergentes, mas, ao excluir as avançadas, não funciona como órgão de governança global.

Por sua vez, o G20 atribui peso talvez excessivo às menores economias emergentes, algumas das quais têm exibido tendências autárquicas e pouco compromisso com a construção de um ambiente internacional favorável à expansão das oportunidades de negócios.

Mas talvez o principal problema do G20 seja mesmo o seu tamanho. Qualquer um que tenha trabalhado em um comitê sabe que, exceto em situações de emergência, como no auge da crise pós-Lehman, o processo decisório em um grupo desse tamanho tende a gerar resultados ambíguos e pouco práticos.

Se chegar a um consenso em comitês de 7 ou 8 já pode ser bem difícil em certas situações, imagine-se em um de 20 que inclui membros tão distintos como, por exemplo, Alemanha e Argentina.

Nesse emaranhado de grupos e siglas, o Brasil se encontra em posição favorável. É membro do Bric, do G20 e de qualquer grupo que se imagine possa vir a suceder efetivamente o G8.

Ocorre que, assim como no caso da reforma da estrutura de cotas do FMI, o problema da Europa torna complicada a constituição de um novo G8. Isso porque os membros naturais seriam os Estados Unidos, Japão, os referidos Bric, a Alemanha e um membro adicional a ser selecionado entre França, Reino Unido e Itália.

Evidentemente, o processo de seleção entre esses últimos seria pouco trivial, reavivando rivalidades históricas que estiveram contidas, mas não suprimidas, nas últimas décadas.

Talvez uma opção fosse incluir a Alemanha e a União Europeia no novo G8 -haveria duplicidade de representação, mas o prestígio do continente seria preservado.

Cabe notar, também, que a resistência a uma redistribuição das cotas do FMI em favor das economias emergentes se concentra nas economias europeias, que são super-representadas em suas instâncias decisórias.

A disparidade de estágios de desenvolvimento (a renda per capita dos Estados Unidos é 12 vezes a da Índia, ajustando-se pelo poder de compra) e de estrutura econômica (alguns países são produtores eficientes de manufaturados, outros de matérias-primas e terceiros são crescentemente especializados em serviços) tornaria complexo o processo deliberativo do novo G8, mas isso não o faria menos necessário e, uma vez chegadas as decisões, menos efetivo.

A alternativa, dada a aparente inoperância e complexidade do G20, seria um conjunto muito menor, que alguns já apelidaram de G2, incluindo somente os EUA e a China. Isso poderia facilitar a resolução de questões bilaterais entre as maiores potências, mas deixaria a desejar no quesito representatividade.

Em suma, a crise e as dificuldades das economias maduras, bem como a resiliência relativa exibida pelas emergentes, criou oportunidade para um reordenamento da governança econômica mundial.

Nesse contexto, além da briga perene, em especial com os europeus, pela ampliação da voz e de voto em instituições como o FMI, faria mais sentido para o país lutar pela inclusão em grupos mais seletos, e ainda assim potencialmente mais relevantes, do que defender o G20 em nome de uma solidariedade regional que, de resto, nunca é recíproca -ou alguém acha que os vizinhos se alegram com o grau de protagonismo alcançado pelo Brasil nos últimos anos?

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Marion Strecker

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