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Gustavo Cerbasi

Será que os juros caíram mesmo?

O ideal é saber lidar melhor com crédito e obter juros baixos por merecimento, não por decreto

Crédito é uma relação de confiança, em que alguém que tem recursos, como um banco, avalia os argumentos de quem lhe pede dinheiro e, se acredita neles, realiza o empréstimo. Para essa operação ser rentável, bancos desenvolvem ferramentas de análise para identificar potenciais inadimplentes e adotam políticas de crédito -incluindo as taxas de juros a praticar- para que os bons pagadores gerem resultados pelos empréstimos tomados e também cubram os custos de caloteiros não identificados pela análise.

Bancos não são obrigados a conceder crédito. Fazem isso porque têm dinheiro disponível, captado nas aplicações de poupadores, e porque as operações de empréstimos se mostram rentáveis. Clientes também não são obrigados a pagar suas dívidas. Pagam se puderem, mas devem se esforçar para pagar se a intenção for a de continuar a ter crédito no sistema financeiro.

Devemos interpretar com cautela a recente redução de juros imposta pelo governo aos bancos públicos e seguida pelos bancos privados. Juros mais baixos terão pouco impacto no aumento do consumo.

Afinal, a redução artificial nos juros não é garantia de que o crédito será concedido. Muitos consumidores que foram em busca de refinanciamentos e contratação de novas dívidas receberam uma negativa como resposta.

Isso era previsível. Afinal, o perfil de crédito do cliente sugeria risco e o banco cobrava a taxa adequada para custear esse risco.

Nas operações de crédito, há lucro quando o cliente paga o compromisso assumido, ou então quando o banco cobra uma alta margem nos empréstimos com alto nível de inadimplência.

O que garante que, agora, o cliente melhorará sua disciplina e honrará seus compromissos, a ponto de não colocar em risco o desejável lucro do banco?

A inadimplência está em alta e, com ela, o esperado seria adotar taxas de juros mais altas para manter viável a concessão de empréstimos. Se a concorrência obriga os bancos a baixar as taxas de juros, o bom-senso recomenda endurecer as regras para a aprovação do crédito, tornando mais difícil para o consumir obter empréstimos.

Os bons clientes bancários sempre tiveram condições de crédito melhores do que a maioria da população, pois estão habituados a formar poupança, a pagar suas dívidas em dia, a zelar pelo seu histórico de crédito e evitam crédito conveniente e caro, como o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito.

Ao recusar produtos financeiros ruins, esse tipo de cliente sinaliza aos bancos que não dará problemas ao lidar com compromissos assumidos. Para o bom cliente bancário, os novos juros reduzidos não mudam sua vida financeira.

Para os bancos, as práticas de crédito devem mudar. A nova política de preços mais baixos no mercado de crédito sugere que, em vez de expansão significativa no crédito, teremos uma posição mais defensiva dos bancos e, consequentemente, uma redução na oferta de crédito, ao menos nos bancos privados.

Como o consumidor não aprende a lidar com dinheiro por decreto, as instituições que adotarem uma posição mais agressiva terão de administrar o possível aumento da inadimplência.

Talvez sejam forçadas a corrigir suas taxas de juros para cima em breve, a não ser que prefiram abrir mão de resultados. Nesse caso, quem pagará a conta? Mais uma vez, o contribuinte?

Os clientes terão de avaliar cuidadosamente a possibilidade de recorrer à regra da portabilidade para obter crédito em bancos públicos.

Afinal, a lei garante igualdade de garantias ao migrar a dívida para outra instituição, mas não é capaz de assegurar a portabilidade do histórico que o cliente tem na instituição original.

Pela redução no custo de uma dívida, o cliente estará disposto a mudar investimentos, dados de conta, planejamento de contas a pagar e cartão de crédito, entre outros?

Talvez seja menos trabalhoso aprender a lidar melhor com crédito e conseguir juros baixos por merecimento, não por decreto.

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Como Organizar sua Vida Financeira" (Elsevier Campus).

www.maisdinheiro.com.br
@gcerbasi

AMANHÃ EM MERCADO:
Benjamin Steinbruch

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