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Entrevista Rajendra Sisodia

'Capitalismo consciente' vai além da obtenção de lucro e é arma contra crise

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

GURU DE ABILIO DINIZ, PROFESSOR INDIANO DA UNIVERSIDADE DE BENTLEY, NOS EUA, DIZ QUE EMPRESAS DEVEM CRIAR REDE HARMÔNICA ENTRE CLIENTES, TRABALHADORES E FORNECEDORES

Criar uma rede harmônica entre clientes, trabalhadores e fornecedores. Pensar no objetivo maior da empresa.

Com essas linhas, o indiano Rajendra Sisodia, 53, defende a implantação do "capitalismo consciente" nas empresas.

Professor de marketing e negócios da Universidade de Bentley (Boston, EUA), ele virou guru de empresários como Abilio Diniz. Para Sisodia, a ideia "pode soar romântica, mas é bem prática".

Lembra como o grave caso da exploração de trabalhadores da Foxconn, fornecedora da Apple, prejudicou a imagem da companhia norte-americana. Ele conversou com a Folha por telefone.

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Folha - O que é o capitalismo consciente?

Rajendra Sisodia - É uma abordagem um pouco diferente da tradicional, que diz que o capitalismo é apenas sobre fazer dinheiro e ter lucros. É um conceito com propósitos mais profundos.

Por que o seu negócio existe? O que o seu negócio faz para o mundo ficar melhor? Grandes companhias têm grandes propósitos.

Como isso se traduz para empregados, clientes e fornecedores?

É preciso reconhecer que há interdependência nos negócios. Todos os negócios têm fornecedores, clientes, empregados, comunidades, mas tendem a vê-los de forma separada, como forma de meios para um fim. O negócio consciente tenta reconhecer essa interligação.

Se os empregados estão bem, felizes, geralmente os clientes também estão bem. Se os fornecedores não são bons parceiros, no longo prazo a empresa não será capaz de produzir bons produtos.

Se qualquer uma dessas partes está infeliz ou está sendo maltratada, ao logo do tempo isso pode destruir o negócio inteiro.

O que o senhor diz para as lideranças empresariais?

Precisamos de líderes empresariais que se importem com o propósito do negócio e com o impacto que ele causa nas pessoas. Que sejam dirigidos não tanto pelo poder ou pelo dinheiro.

Líderes conscientes devem motivar, inspirar e desenvolver as pessoas. Eles são realmente apaixonados pelo propósito do negócio, não colocam os empregados no último nível de importância.

É preciso ter a cultura do amor, da preocupação, da confiança, da transparência e da autenticidade. Uma cultura sustentável a longo prazo.

Como esse conceito interfere nos resultados das empresas?

É simplesmente a melhor maneira de fazer negócios. As pesquisas mostram que as empresas que adotam essa linha têm mais sucesso ao longo do tempo.

Porque criam grande valor para os clientes, os empregados são altamente engajados no trabalho, altamente produtivos. No longo prazo, o desempenho da companhia tende a ser muito melhor.

Que lições tirar da atual crise capitalista? O que deu errado?

É ganância. O setor financeiro perdeu o sentido do seu propósito, que é prover investimentos para produção. Simplesmente entraram numa especulação para fazer dinheiro para eles mesmos, sem agregar valor para a sociedade, para os clientes etc.

Quando se separa a criação de valor do fazer dinheiro, há problemas. Eles estavam ganhando dinheiro baseados na ignorância das outras pessoas, tentando tirar vantagem delas.

O que a crise pode mudar para os negócios?

O que queremos com o capitalismo consciente é que os empresários mudem de mentalidade e pensem nos seus negócios de uma forma diferente. A cada 10, 15 anos temos uma crise. Isso nos faz pensar o que foi feito de errado, pensar alternativas.

Há muita discussão sobre o que precisa mudar no sistema. No Brasil e na Índia, empresas estão tentando seguir o modelo norte-americano. Mas os americanos estão se dando conta de que o seu modelo não funciona tão bem.

Essa ideia do capitalismo consciente não pode ser tachada de romântica, já que o capitalismo é movido a lucro?

Sim, muitas pessoas pensam assim. Mas é uma ideia muito prática. As companhias que agem assim são mais bem-sucedidas na média. Elas estão fazendo dinheiro e lucros.

Há um paradoxo. Se a empresa persegue o lucro como o primeiro objetivo, faz coisas que machucam sua habilidade de fazer negócios e ter lucros ao longo do tempo.

Se quer maximizar os seus lucros e adota uma orientação de curto prazo espremendo os seus empregados, cortando benefícios, vai também espremer os seus fornecedores. Tudo isso pode prejudicar o negócio no longo prazo.

Se a empresa tem os piores fornecedores, ou fornecedores de má qualidade, a qualidade não vai ser alta. Se os empregados não estão engajados e motivados, a qualidade também não vai ser alta.

E os clientes também não vão ficar satisfeitos. As pessoas querem ser felizes. E são felizes quando fazem coisas que têm significado para elas.

Como o sr. analisa, por exemplo, o caso da Apple/Foxconn?

Companhias como a Apple e outras tiveram um comportamento distante dos fornecedores. Diziam algo como: não sabemos como vocês estão fazendo, mas é isso que queremos; o que nos importa é o produto e o preço.

O que eles estão reconhecendo agora, com a publicidade negativa para a Apple e para a Foxconn, é que isso pode ser perigoso para eles no futuro. Funcionários cometem suicídio, têm péssimas condições de trabalho.

A Apple está se movendo agora para criar mais transparência na sua cadeia de fornecedores, assegurando que as condições de trabalhão sejam adequadas.

Mas isso não provocará aumento nos custos?

Sim, provavelmente os custos vão aumentar e talvez eles devam aumentar. Os custos devem refletir os custos de fazer negócios. Custos justos devem ser absorvidos.

Talvez devamos pagar 10% a mais sobre produtos eletrônicos apenas para refletir o justo custo. As companhias que operam assim têm funcionários que se tornam mais produtivos e mais engajados.

Como combinar essa filosofia com a ação dos sindicatos?

Se já existe um sindicato, a empresa deve tentar ter relação com ele. Se não há sindicato e se a empresa trata os seus funcionários muito bem, eles não vão sentir vontade de entrar num sindicato, não vão precisar de um.

O seu trabalho, então, é atuar para esvaziar os sindicatos?

Não. Se fizermos nosso trabalho como executivos e tratarmos as pessoas muito bem, eles não sentirão a necessidade de sindicatos.

Os sindicatos estão competindo pelos corações e pelas mentes dos empregados. E, se o executivo faz um trabalho ruim, os empregados irão querer se sindicalizar.

Se os empregados têm melhores condições de trabalho e melhores salários, não vão querer se sindicalizar. Os sindicatos muitas vezes tendem a provocar a divisão entre empregados e empresas.

Mas não há necessariamente uma divisão entre eles? Não há luta de classes?

É uma forma antiga de pensar sobre negócios. É o pensamento marxista. Não existe luta entre trabalhadores e empregadores.

Não é tudo sobre dinheiro. Eles tentam criar algo e fazer algo com significado no mundo, criar valor que todos dividem. E precisam trabalhar juntos em harmonia.

Mas não há oposição entre essas partes, já que uns querem lucros, e outros, salários?

Não. De onde vêm os salários? Vêm de um negócio que é capaz de ser lucrativo. Se um negócio não é lucrativo, não é capaz de pagar bem.

O que acontece em algumas companhias é que os empregados se juntam aos sindicatos, negociam e conseguem dinheiro. Mas depois os negócios não podem sobreviver e competir.

É claro que há investidores que são muito gananciosos e querem todo o dinheiro e espremem empregados e fornecedores, poluem o ambiente etc. Isso também prejudica os negócios, pois pensam apenas nos seus próprios interesses.

É como um câncer, que pode começar em qualquer lugar e pode destruir o corpo inteiro, a companhia inteira.

É preciso manter a harmonia no negócio. O negocio é sobre criar mais valor. Assim há mais para dividir.

FOLHA.com

Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no1089399

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