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Metade da Transamazônica, 40, é de terra

População que vive às margens da rodovia de 4.162 km, projeto-símbolo da ditadura militar, ainda espera o progresso

Governo diz ter contrato para asfaltar somente 444 km; chuvas deixam população isolada no inverno paraense

Juca Varella/Folhapress
Estrada de chão trecho da Transamazônica, rodovia concebida pelo governo militar que chega aos 40 anoscom somente metade de sua extensão asfaltada
Estrada de chão trecho da Transamazônica, rodovia concebida pelo governo militar que chega aos 40 anoscom somente metade de sua extensão asfaltada

AGNALDO BRITO
ENVIADO ESPECIAL À TRANSAMAZÔNICA

Cidade de Tenente Portela (RS), 9 de setembro de 1971. Dois ônibus alugados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) iniciaram a jornada de quase 4.000 quilômetros.

No interior, 78 homens recrutados pelo governo federal se preparavam para protagonizar uma parte da história do país. Esses são alguns dos 40 mil chefes de família que decidiram deixar, no início dos anos 1970, a terra em que nasceram em busca do sonho de ocupar e produzir na região amazônica.

Essa gente, vinda do Nordeste e do Sul do Brasil, fez parte do projeto de colonização da rodovia Transamazônica, um rasgo que passa por sete Estados, de Cabedelo (PB) a Lábrea (AM).

A estrada, com 4.162 quilômetros implantados, é um dos projetos-símbolo da ditadura militar, que vigorou de 1964 a 1985. Em 2012, completam-se 40 anos de inaugurado o primeiro trecho.

O projeto custou mais de US$ 1 bilhão, dinheiro que bancou a transferência de milhares de brasileiros para uma região remota. Tudo para evitar uma suposta ameaça de invasão estrangeira.

"Isso aqui estava para ser invadido pelos americanos. Se a gente colonizasse, ficaria mais difícil. Eles já tinham o Projeto Jari", lembra o colono Vonibaldo von Groll, 74 anos, um dos 78 que saíram do Rio Grande do Sul.

O Projeto Jari foi implantado na divisa entre Pará e Amapá pelo bilionário americano Daniel Keith Ludwig.

Não há notícia de que qualquer força militar dos EUA tenha passado ali, tampouco o desenvolvimento prometido na ocasião da colonização.

Quatro décadas depois, mais de 2.200 quilômetros de estrada no interior do bioma amazônico ainda são de terra. No inverno chuvoso, muitas das 330 mil pessoas que vivem entre Itaituba e Altamira (PA) ficam isoladas.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) diz ter quatro contratos para cobrir 444 quilômetros de asfalto. Do resto, nada há. Para o Incra, sem o asfalto a tecnologia não chega, e a produção custa a sair -exceto madeira ilegal, único produto com preço para bancar o transporte ruim.

"A primeira coisa é asfaltar, porque o resto vem. Em 40 anos, o que a gente tinha de fazer nós fizemos. Só não estamos abandonados porque vivemos com nossas pernas", disse Santo Limana, um dos pioneiros.

A abertura da Transamazônica começou em 1970, com o presidente Emílio Garrastazu Médici. Foi em sua homenagem, aliás, o batismo da pequena Medicilândia, onde está, abandonada, a usina de açúcar e álcool Abraham Lincoln -parte do projeto.

LÁGRIMAS

Lembrar a épica aventura de desbravar a floresta nem sempre é fácil. Manuel de Carvalho, o Pernambuco, 76, chegou à região em 1973. Veio trabalhar na construção da estrada. Jamais partiu. "Não saí daqui para canto nenhum."

Depois da rodovia, Carvalho ergueu casas para os colonos. Para ele mesmo, nem casa nem lote.

Não é fácil lembrar essa história sem que lágrimas deem a dimensão da mágoa. A Transamazônica foi um sonho impossível para muitos, inclusive para Pernambuco.

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