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Cifras & Letras

ENTREVISTA / MARCIO POCHMANN

Emergentes do país são guiados só por consumo e emprego

Presidente do Ipea contesta surgimento de uma 'nova classe média' no Brasil, diz que segmento em ascensão social tem anseios imediatistas e é muito conservador

EXISTE UMA INEGÁVEL VOLTA DA MOBILIDADE, QUE SE DEU NA BASE DA PIRÂMIDE SOCIAL E POUCO NOS SEGMENTOS INTERMEDIÁRIOS

Wesley Santos - 12.mai.12/Folhapress
Clientes olham promoções em loja; ascendentes não poupam e gastam tudo o que ganham
Clientes olham promoções em loja; ascendentes não poupam e gastam tudo o que ganham

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Há maior mobilidade social, mas a ascensão ocorreu na base da pirâmide social. Os emergentes são trabalhadores de baixa renda, com postos no setor de serviços, que gastam tudo que ganham e não conseguem poupar. Não têm características de classe média.

A análise é do economista Marcio Pochmann, 50, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Para ele, a mudança nos anos 1970 foi muito maior, com o avanço da classe média desaguando no processo de redemocratização.

Segundo ele, hoje há despolitização e os emergentes são movidos a consumismo e individualismo. Pochmann, que deve se desligar do Ipea para concorrer à prefeitura de Campinas, está lançando o livro "Nova Classe Média?".

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Folha - Por que não dá para falar de nova classe média?
Marcio Pochmann - Há uma inegável volta da mobilidade social, que tinha escasseado nos anos 80 e 90. Na primeira década do século 21, ela está fundamentalmente assentada na base da pirâmide social e centrada no mercado de trabalho.
Foram 20 milhões de postos de trabalho gerados, 94% deles de até 1,5 salário mínimo. Além disso, houve políticas públicas, como a valorização do salário mínimo, complementação de renda.
A renda do trabalho, que representava 38% do total em 2000, subiu para 46%. Estamos como em 1980, mas há um sentido de melhora.

Por que isso é insuficiente para a definição de classe média?
A mobilidade se deu na base da pirâmide e pouco nos segmentos intermediários que poderiam ser identificados como classe média.
Os postos de trabalho da classe média assalariada são os de bancários, administradores, gerentes, professores.
Não foram essas funções que cresceram, mas as vinculadas a atividades para a família, trabalhos terceirizados, de curta duração, pequenos negócios. Pela ocupação, não dá para associar como sendo de classe média.
A classe média tradicional poupa, porque tem uma renda para isso, para adquirir bens de valor, como casa, autos etc. Não é o que estamos vendo. Os que ascenderam não poupam porque gastam tudo o que ganham.

O que vemos é um fenômeno novo?
Não. Tivemos isso no Brasil na década de 1970, quando a mobilidade foi mais forte do que nessa primeira década do século 21.
O PIB crescia em torno de 10% ao ano, duas vezes mais do que hoje. O crescimento era puxado pela indústria; houve a ascensão de pessoas que vinham do campo. Foi uma mudança muito maior.
A própria história do Lula mostra isso. Havia autoritarismo; formaram-se as favelas, as pessoas foram morar longe do trabalho, não tinha luz, água encanada.
Esse estranhamento foi capturado pelas instituições que se transformaram na base do processo de redemocratização do país: comunidades eclesiais de base, associações de bairro, movimento estudantil, movimento sindical, partidos políticos.
Houve uma politização dessa mobilidade social, que foi acompanhada de bens coletivos.

E o que é diferente hoje?
Esse segmento tem renda relativamente baixa, pouca escolaridade, ocupação em serviços e não tem ativos. A classe média em geral tem ativos, propriedades. Estabelecer um conceito de classe média empobrece a visão sobre a transformação do Brasil.
O segmento que ascendeu está fortemente mobilizado pelos valores mercantis, o que é natural. É o consumismo, o individualismo. Entende que essa ascensão é fruto de seu esforço individual e não que é resultado de uma política. Não há uma politização.

Como o senhor definiria esse grupo emergente?
Como um alargamento da classe trabalhadora, com valores individualistas. São novos segmentos de trabalhadores que emergem num processo despolitizado.
Ao mesmo tempo, isso reflete a baixa capacidade das nossas instituições.
O ProUni (Programa Universidade para Todos, que concede bolsas) tem 1 milhão de novos estudantes, a maioria de renda baixa. Esse segmento não entrou para o movimento estudantil.
A sindicalização é baixa. As pessoas desse grupo são orientadas pelo mercado, favoráveis ao crescimento, mas extremamente conservadoras em valores, favoráveis à pena de morte, por exemplo.
É uma transformação social desacompanhada da política com "P" maiúsculo, o que é problemático para um país que não tem cultura democrática. São esses os segmentos que vão liderar o Brasil nas próximas décadas.

Mas esse segmento está votando no PT, não?
Pela capacidade do governo de atender os anseios mais imediatos, o consumo, o emprego. Se isso falhar, pode mudar. É diferente daquele segmento dos anos 80.
Esse está sendo forjado num contexto muito diferente. Há sinais de esgotamento da política meramente representativa. Vejo esse quadro com preocupação.

ESTABELECER UM CONCEITO DE CLASSE MÉDIA [PARA A ASCENSÃO SOCIAL EM CURSO] EMPOBRECE A VISÃO SOBRE A TRANSFORMAÇÃO DO BRASIL

NOVA CLASSE MÉDIA?
AUTOR Marcio Pochmann
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 32 (128 págs.)
AVALIAÇÃO Bom

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