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Maria Inês Dolci

Dólar inferniza paraísos de compras

Durante as viagens de férias ao exterior, há inúmeras descobertas não afetadas pelo câmbio oscilante

A classe média brasileira foi, nos últimos anos, aos paraísos das compras. O crescimento da economia, a inflação moderada, a valorização do real diante do dólar e o estímulo ao crédito expuseram-nos a uma triste realidade: pagamos caro demais por produtos e serviços no Brasil.

Aqui há uma conjunção de fatores que inflam os preços: carga tributária absurda, economia em processo de oligopolização -com poucos fornecedores em praticamente todas as áreas- e agências reguladoras que não cumprem bem seu papel de equilibrar o mercado.

Então, sob o aparente desejo de viajar, brasileiros lotavam lojas no exterior, para comprar produtos triviais, como roupas, tênis e artigos para bebês. Não me consta que museus e teatros tenham recebido público extra.

O câmbio, contudo, não flutua tão livremente. Os industriais chiaram e, como não havia perspectiva real de reforma tributária de verdade, a saída mais fácil foi influenciar as cotações do dólar, enquanto a inflação não reaquecia. Processo facilitado pela crise de confiança na economia mundial, aguçada pela situação institucional na Grécia.

Como ficaram, então, os turistas que planejaram com antecedência viagens ao exterior? Deveriam, para começo de conversa, refazer todas as contas. Quem não conseguiu -ou não quis- adiar a visita aos Estados Unidos, à Europa ou à Argentina deveria pesquisar preços antes mesmo de sair do país.

Talvez ainda valha a pena comprar alguns produtos, outros não. Certamente, com menos dólares para gastar, algo terá de ser cortado. Exceto se os viajantes decidirem aumentar o dispêndio de reais.

Outra providência será pagar à vista, pois a quitação das faturas de cartões de crédito será sujeita à cotação da moeda estrangeira na data de vencimento, e a tendência, por enquanto, é que o real se desvalorize ainda mais. Por isso, as compras poderão ficar ainda mais caras nessa modalidade de pagamento.

Também é fundamental respeitar os limites aduaneiros. Os produtos que excederem a cota de US$ 500 estarão sujeitos a 50% de Imposto de Importação (se declarados). Ou a 100% de multa (se não declarados e detectados). Nesse caso, qualquer eventual vantagem de preço poderá desaparecer.

Relógios, roupas, sapatos, bebidas e cosméticos não estão sujeitos ao limite da Receita Federal, mas isso não significa que se possa trazer dezenas de unidades de cada item. Recomenda-se bom-senso, ou seja, comprar quantidade compatível com o uso pessoal.

Outra providência seria, após converter a lista de compras em dólares ou em euros, acrescentar 10% para que haja uma folga, caso o dólar se fortaleça ainda mais diante do real.

Nem sempre produtos tecnologicamente avançados são boas opções de consumo, ainda que as ofertas sejam tentadoras. Há que considerar se funcionarão adequadamente no mercado nacional. Lembremo-nos do que aconteceu com o iPad vendido na Austrália. A Apple, fabricante do produto, foi acusada de fornecer versão incompatível com a rede 4G daquele país.

Além disso, é preciso que os consumidores se assegurem de que determinado aparelho terá assistência técnica aqui, caso contrário o risco de perda será muito grande. Aliás, no mínimo deve haver rede credenciada similar à de equipamento semelhante à venda no mercado nacional.

De qualquer maneira, uma viagem ao exterior não se restringe a shopping e a outlet. Conhecer outros países amplia os horizontes culturais, artísticos, pessoais, aperfeiçoa a fluência em outro idioma e pode ser uma lembrança inesquecível.

Se não for possível encher as malas de produtos, aproveitemos para exercer a "serendipidade". O que é isso? Palavra de origem inglesa, cunhada pelo escritor britânico Horace Walpole, significa "felizes descobertas decorrentes do acaso". Passear por outros países propicia isso: descobrir monumentos, museus, parques, vilarejos que nunca imaginamos.

Em férias, há muito mais do que fazer compras, e essas outras coisas não são afetadas pelo câmbio oscilante.

MARIA INÊS DOLCI, 57, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.

mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Nizan Guanaes

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