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Julio Vasconcellos

A cura do otimismo crônico

O 'otimismo crônico' pode parecer uma boa doença, mas pode ser uma doença perigosa para o executivo

Sou um cara muito otimista e, por consequência, muito ruim ao definir prioridades. Sempre acho que as coisas são mais fáceis e rápidas de fazer do que de fato elas são. Não fosse isso um problema grande o suficiente, sou também teimoso e não aprendo a recalibrar minhas estimativas. O viés otimista é resistente e difícil de ser superado.

O "otimismo crônico" pode parecer uma boa doença para um empreendedor que, enquanto todos ao seu redor dizem que algo é impossível, delira ao insistir em mostrar ao mundo que o impossível é somente o primeiro passo no caminho de um provável sucesso. Mas o otimismo pode acabar se transformado em doença perigosa para o executivo.

Foco é o melhor amigo do sucesso, e otimismo é o inimigo mortal daquele. Otimistas tendem a acreditar que podem fazer mais do que é possível e, ao tentar abraçar o mundo, correm o risco de morrer afogados entre projetos inacabados.

Uma definição de prioridades é essencial para o êxito de qualquer negócio e grande passo para a execução de uma estratégia vencedora. Mas definir prioridades não é fácil, principalmente para um "otimista crônico" como eu. Não costuma ser fácil também para equipes pseudodemocráticas que tentam sempre encontrar consensos que deixem todos felizes. Acumulei aprendizados que talvez possam ajudar quem esteja passando por desafio similar.

Como qualquer programa de autoajuda que se preze, o primeiro passo é admitir e compartilhar com sua equipe que você é portador da doença crônica e que precisa do apoio dela para superá-la. Para quem ainda está em estado de negação, vale a pena apontar dois sintomas da síndrome de "priorizaçãophobia": longa lista de projetos "prioritários" (cinco ou mais) e muita iniciativa para pouca "acabativa".

Para priorizar de verdade, uma referência temporal curta pode ajudar bastante. Se seu planejamento era antes para um ano, planeje um semestre; se era de um semestre, passe para um trimestre. O otimismo crônico tende a se magnificar de forma exponencial ao longo do tempo. É bem mais fácil identificar limitações de entrega quando o período em questão é mais curto e, por isso, mais "cognitivamente tangível". Mas tome a cautela de sempre usar sua visão de longo prazo como a bússola que deve definir a orientação correta do seu navio.

Outro bom exercício, menos doloroso para os otimistas, é ordenar suas iniciativas e atacar essa "fila" de forma sequencial onde só após a plena entrega de um escopo previamente acordado parte-se para a próxima tarefa. Essa metodologia é mais dócil do ponto de vista emocional pois permite que os otimistas se entretenham e se motivem por acreditarem que vão entregar tudo em tempo recorde. A diferença é que, nesse caso, serão disciplinados em seu foco pela existência de uma única fila versus as tentadoras e maléficas filas paralelas. Além disso, concluir projetos de forma sequencial, começando com os mais importantes, ajuda na incorporação dos maiores benefícios rapidamente enquanto buscam-se os próximos. Um ponto de atenção é a necessidade de trabalhar com definições e métricas claras do que vem a ser uma iniciativa plenamente completa. Assim nos curamos do sintoma de muita iniciativa e pouca "acabativa".

Pensando nas equipes "pseudodemocráticas", vale sempre definir (ou lembrar) que, no fim da discussão, alguém terá de tomar as decisões e todos terão de aderir. Muitas vezes, as decisões do líder não serão as mais populares, mas, se o ritual seguido foi verdadeiramente participativo, e o resultado reflete o "input" de cada "stakeholder", a equipe acaba tendo mais adesão às prioridades definidas pelo líder.

A última dica é uma que acredito ser bastante eficaz: considere a lista de "não prioridades" tão importante quanto a lista de prioridades. Uma boa estratégia não só define em que mercados você vai atuar e vencer como também permite identificar em que mercados você não vai competir. Muitas vezes, as decisões do que você não vai fazer são tão ou mais importantes do que delimitar tudo aquilo que você pretende de fato fazer. Por isso, um bom "editor", aquele que, desapegado, sabe cortar tudo que não é foco, pode ser o melhor amigo do otimista em recuperação.

JULIO VASCONCELLOS, 31, economista, é fundador e presidente-executivo do site de compras coletivas Peixe Urbano. Escreve às quintas-feiras, a cada quatro semanas, nesta coluna.

AMANHÃ EM MERCADO:
Rodolfo Landim

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